O Chicão sempre foi um sujeito calmo. Dava um boi pra não
entrar numa briga, mas, quando entrava, dava outro pra não sair. Nas últimas semanas ele vinha de uma indignação atrás da outra e a mais nova era por causa do apagão. Não admitia que ele, um consumidor de poucos gastos e um fiel pagador, fosse ser penalizado por um governo que deixou de fazer a sua parte.Mas o Chicão não perdia a calma, mantinha-se sempre sereno,
não obstante a indignação com as mazelas do governo e, em
especial, com a iminência de ficar sem luz. Naquele dia, por uma dessas ironias do destino, o Chicão chegou em casa num momento em que não devia. Não devia por vários motivos. O principal deles, e o que interessa para o bom entendimento desta história, é que deveria estar viajando e não estava.
Assim que entrou no apartamento, o Chicão ouviu um barulho
estranho no quarto do casal. Deu dois passos, as orelhas em pé, e percebeu alguém vindo em sua direção. Era a Vi nua, inteiramente nua, que fechava a porta do quarto atrás de si e corria até ele, parte dos cabelos caídos sobre a lividez do rosto.
"O que é isso?", perguntou o Chicão. "Por que você está sem
roupa desse jeito?"
"É por causa do apagão! É um protesto contra o governo,
amor..."
A resposta da Vi foi tão espontânea que o Chicão não fez
qualquer questionamento. Até se ofereceu para escrever na barriga dela um FORA FH, de quadril a quadril.
Perguntou onde seria o protesto e ela responder que seria no
centro. Então ele se prontificou a leva-la até o local. Antes de tomar o elevador para descer os 15 andares do prédio conferiu bem se a porta estava fechada e colocou sobre ela um lençol para lhe cobrir a nudez.
Rodaram pela cidade, o Chicão sempre muito solícito, procurando o lugar do evento e não encontraram. Foi quando a Vi, sem muita convicção, sugeriu que voltassem pra casa, talvez o protesto tivesse sido suspenso e suas colegas de miltância não a tivessem avisado.
O Chicão concordou, sem qualquer pedido de explicação.
Entraram em casa, ele chaveou a porta por dentro, guardou a
chave no bolso, foi até a cozinha, pegou um facão e voltou para a sala. Foi quando a Vi, com ar preocupado, perguntou o que ele ia fazer com aquilo:
"Agora vou procurar o Apagão...", esclareceu ele, com a maior calma do mundo.
E caminhou lentamente em direção ao quarto do casal.
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