"Amanhã de manhã, vou pedir o café pra nós dois", cantava a Paty no exato instante em que se viu, frente a frente, com uma cueca do marido manchada de batom. Foi um soco no estômago. A Paty amoleceu as pernas e se jogou na cama. E desse jeito ficou, atirada como um trapo velho, sabe-se lá por quanto tempo, até que tocou o telefone.Era o Beto.
"Seu canalha! Cueca suja de batom tem explicação, tem!? Me diz, me diz!", gritou ela, liberando um rosário de impropérios contra o marido.
No outro lado da linha, o Beto mantinha um silêncio tão
prolongado quanto suspeito, até que ela não agüentou mais e
desandou a chorar. Só então ele falou, a voz pausada:
"Patynha, é o seguinte: eu fui seqüestrado e estou nas mãos dos bandidos. Eles vão manter o primeiro contato dentro de cinco minutos. Mas nada de polícia, nada de imprensa no meio, certo?"
Ela ficou onde estava, a cueca na mão, pouco se importando com o que dissera o marido. Até que tocou o telefone novamente:
"Seu marido está nas nossas mãos. Hoje, assim que terminar a
primeira parte de Porto dos Milagres, faremos um novo contato. Mas nada de polícia e imprensa no meio. Se você abrir a boca, ele morre, entendido?"
"Por mim...", retrucou a Paty, dando de ombros, a cueca
manchada diante dos olhos chorosos.
Na hora marcada eles ligaram novamente. Queriam dez mil
dólares, curiosamente o mesmo valor que o casal tinha em casa para a próxima viagem a Miami. Telefonariam no dia seguinte, entre o Jornal Nacional e Porto dos Milagres, para passar as instruções sobre o pagamento do resgate.
Foi o que fizeram:
"Por mim podem matar", respondeu a Paty, a cueca manchada
sempre na mão.
Os dias foram passando, a Paty sempre irredutível, até que numa manhã, ao abrir a caixa de correspondência, ela encontrou um pequeno pacote. Eram os cabelos do Beto. Não demorou os seqüestradores ligaram. Se ela não pagasse o resgate, o pacote seguinte conteria o polegar dele. Esgotado o prazo, o dedo veio, mas ela nada. Na semana seguinte chegou um dente e um pedaço de orelha, mas nem assim ela se rendeu. Sete dias depois o próprio
Beto ligou, aos prantos:
"Eles não estão brincando, Patynha! Eles vão me castrar, faça alguma coisa, por favor!"
Faz-se necessário reconhecer aqui que a Paty, passado esse tempo, já não carregava mais consigo, para cima e para baixo, a cueca manchada de batom. O relógio fazia tique-taque na parede, ela caminhava de um lado para outro, até que se decidiu. Foi ao cofre, pegou os dez mil dólares e colocou-os na bolsa. Quando levava a mão para segurar a maçaneta, a porta se abriu e entrou o Beto - todo esgualepado, a cabeça raspada, um curativo numa mão e
outro na orelha direita:
"Consegui escapar do cativeiro, meu amor!", gritou ele, abrindo os braços para se jogar no colo dela. Mas a Paty tirou o corpo fora, sem piedade, e apontou para a cueca manchada de batom, sobre o sofá.
"Mas nem depois de tudo isso você me perdoa, amor!?
"Não", respondeu ela, durona, enquanto caminhava em direção ao quarto, discretamente, para recolocar o dez mil dólares no cofre.
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