O Cezinha chegou em casa à noite e foi recebido pela sogra,
parada igual uma estátua de bronze na soleira da porta. Coisa boa não era, pensou lá com ele. Entrou na cozinha e viu a Bel chorando baixinho e teve certeza de que teria problemas em casa naquela noite. A sogra foi direto ao assunto. Uma foto de revista na mão, perguntou que história era aquela de sair de borboleta na passeata do Orgulho Gay. O Cezinha olhou o jornal e não teve dúvidas: era ele. Uma sobreposição de fotos, naturalmente.
Mas a sogra, pelo que sentiu do ambiente, já havia envenenado até o seu pitbull de estimação. O Cezinha não tinha álibi. Pior: naquele domingo de manhã disse que ia para o parque "fazer uma caminhada", e realmente havia cruzado, por acaso, com a passeata dos gays.
Após a encenação da mãe, a Bel saiu do silêncio e desabafou:
"Essa é a segunda que você apronta, Cezinha!"
E era mesmo.
Mas o Cezinha teve um lampejo de idéia quando a Bel remexeu o fatídico episódio, ocorrido no carnaval de 1985. Ele havia deixado a mulher e a sogra numa estação de águas e
retornara à cidade para terminar um relatório da empresa, que não podia esperar a volta das férias.
Sábado à noite estavam mãe e filha vendo um baile ao vivo na TV quando deram com o Cezinha em carne, osso, camisa floreada e colar havaiano no pescoço. Levava uma loira de fio dental no cangote e pulava igual um delirado, como se estivesse diante de um buffet de 80 variedades sem saber onde atacar primeiro.
"Mas pra cortar a grama do jardim ele não se presta!", disse a sogra do Cezinha, irritada, enquanto desligava a TV. "Diz que se ataca da coluna, a nulidade!"
Durante dezesseis anos o Cezinha negou que alguma vez na vida, mesmo quando solteiro, tivesse passado perto de um baile de panteras ou de qualquer outro do gênero. E, não fosse o episódio da passeata gay, pretendia morrer negando.
A Bel, por sua vez, até achou razoável o argumento do Cezinha. Se era ele que estava no Baile das Panteras no Carnaval de 85, como acabava de confessar, não podia ser o mesmo da passeata gay, uma coisa não batia com a outra.
"Meu negócio é mulher, dona Gertruda...", disse o Cezinha para a sogra, um ar de vitória estampado no rosto.
"Pau que nasce torto cresce quadrado", retrucou ela, abrindo a porta com um pontapé e tomando o caminho da rua.
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