A esperança é a última que morre, dizia o Altaíre entre uma cuspida e outra no bar do Alaor, onde a Kika passava com o marido todo santo dia. Até que uma tarde ela passou desacompanhada, e ele, que já tinha enxugado quatro martelinhos de cachaça com butiá acompanhados de ovos em conserva, abriu a porteira do coração e deixou a boiada passar.Conferiu bem as proximidades e adjacências e atacou:
"A princesa me permite uma breve mas verdadeira confissão?"
A Kika olhou pra ele e o primeira detalhe e lhe chamar a atenção, tirante o bafo de cachaça trafegando em sentido contrário, foram três farelos de gema de ovo num canto da boca e mais outros tantos entre o queixo e o lábio. Antes que ela pudesse reagir, o Altaíre desferiu o segundo golpe:
"Tou muito a fim de ti, gata!"
A resposta dela quase fez o Altaíre cair de costas no meio da calçada.
"E eu também, Taíre!"
"A cretina sabe até o meu apelido!", pensou ele, já dando o empate por vitória.
Entraram no bar e o Altaíre, que não gostava de misturar etílicos, sugeriu que continuassem na cachaça com butiá, e ela topou. Em cinco minutos de conversa a Kika abriu a alma. Disse que havia flagrado o marido com outra, a Delony, e por isso resolvera chutar o pau da barraca. Ele pensou um pouco, o olhar distante, tomou mais dois copos e pediu licença um instantinho, precisava resolver um assunto urgente, e saiu para a rua, silencioso.
Delony, não por coincidência, era o nome da mulher do Altaíre. E foi por isso que ele deitou a cabeça na direção de casa tão logo se viu fora do ângulo de visão de quem estava no bar. Assim que ele desapareceu na primeira esquina, a Kika pegou a bolsa e retomou o destino antes interrompido.
A história do flagra no marido era verdadeira. Mas o nome da Delony foi apenas uma brincadeira que ela fez, de puro improviso, para se vingar da crueldade do destino. E do Altaíre, nessa ordem exata de prioridade.
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