Desde que chegara em casa, o Laércio parecia um cachorro na corrente, andando de um lado para o outro, inquieto e econômico nas palavras.Até que decidiu dormir cedo, sem jantar, e levou um jornal para ler na cama.
Vestiu o pijama e se deitou enquanto a Ju passava roupa na cozinha. Quanto ela foi ao quarto guardar uma pilha de camisetas recém-passadas, o Laércio deu um grito, como se uma espada acabasse de lhe trespassar o peito.
O Laércio não era cardíaco, nem tinha histórico na família. Mas o grito era de infarto, fulminante. Quando a Ju se virou, ele já estava em pé, o jornal aberto na página de obituário.
"O Zé morreu!" - gritou, os olhos quase em lágrimas, sacando o pijama numa puxada só. "E o enterro é daqui a uma hora! Preciso ir, amor!"
Vestiu um terno escuro e saiu, ar de tragédia no rosto, de quem realmente perdeu um grande amigo de infância, conforme a rápida explicação que dera à mulher antes de sair.
A Ju terminou de guardar as roupas no armário e pegou o jornal, um tanto intrigada com a história. Havia realmente um convite para enterro, às 19h, de um sujeito chamado José, mas o que levou a Ju a desconfiar não foi o inusitado da situação.
O Laércio não era homem de se deitar cedo, sem antes devorar um boi por uma perna durante o jantar, nem de ler jornal na cama, muito menos de dormir de pijama, mesmo no forte do inverno.
A Ju se vestiu, foi ao sepultamento do tal Zé, o amigo de infância do Laércio, e, claro, nem sinal do marido por lá.
Quando ele voltou para casa, bem mais tarde, passando da meia noite, ela ainda teve sangue frio para perguntar como é que estava o enterro.
"Ótimo!", respondeu ele.
O caso do Laércio não tinha mais volta, estava na cara, era nocaute no primeiro round. Mas bem que ele podia ter intuído que ironia, numa hora dessas, significa fechar todas as portas para qualquer tentativa de apostar num último resquício de misericórdia na índole do carrasco... Dançou!
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