O dr. Pacheco chegou na firma e percebeu, já na entrada do prédio, que as pessoas olhavam-no de um jeito estranho. O porteiro, o ascensorista, o boy e a secretária, os primeiros a cruzarem com ele, olharam-no de um jeito incomum, algo entre a consternação dissimulada e a galhofa respeitosa. Assim que entrou na sua sala, viu que o Galvão, seu sócio na firma, entrava atrás, quase junto, dizendo que precisavam ter uma conversa reservada. Reservada era uma força de expressão, naturalmente, pois o assunto que levava o Galvão à sala do dr. Pacheco naquele momento já tinha se transformado em domínio público assim que o primeiro jornal do dia chegara às bancas da cidade.
"Você já viu os jornais de hoje?", perguntou o Galvão, enquanto sentava-se.
O dr. Pacheco puxou a cadeira e se sentou também, de frente para o sócio.
"Eu achei que seria bom avisá-lo imediatamente...", continuou o Galvão.
O dr. Pacheco deu um suspiro, ar de tédio no rosto, e espichou o braço para apanhar os jornais, numa lateral da mesa.
"E na capa!", observou o Galvão, aumentando ainda mais o suspense.
Com toda a calma do mundo, o dr. Pacheco apanhou um dos jornais e só aí começou a entender, com todas as letras, o porquê do olhar a ele dispensado pelas pessoas que encontrara logo na chegada ao prédio. Ali estava, na capa, uma foto da Kika, sua mulher, com o vestido erguido até a cintura, sem calcinha, num ensaio da Escola de Samba os Protegidos da Majestade, da qual ela era a madrinha de bateria.
Trêmulo e perplexo, o dr. Pacheco pegou o telefone, ligou para casa e atendeu a empregada. A Kika, naturalmente, ainda dormia, pois o ensaio em questão havia ocorrido na noite anterior. Esperou ela ser acordada e, quando a ouviu no outro lado da linha, exigiu explicações. A Kika olhou o jornal que tinha em casa e passou, então, a dar ao dr. Pacheco as explicações exigidas. Ele ouviu tudo, com paciência, anotando todos os detalhes. Finalmente, desligou o telefone e se voltou para o Galvão, curioso a sua frente:
"Estamos todos chocados!", disse o dr. Pacheco, forçando a pronúncia do verbo "estar" na primeira pessoa do plural. "A maldade humana não tem limites, Galvão!"
O Galvão se contorcia na cadeira, impaciente.
"Ela me garante que estava de calcinha, sim! E não tenho porque duvidar da sua palavra", continuou o dr. Pacheco. "Maldade do fotógrafo. Ele usou um flash especial de forma a exacerbar a transparência do algodão que, àquela altura do evento, percebia-se, em sua plenitude, inequivocamente encharcado de suor".
"Mas Pacheco...", quis falar o Galvão.
"Além do mais, Galvão, ela não viu o fotógrafo deitado a sua frente. Se tivesse visto, não teria permitido a foto".
"Mas Pacheco... Ela até parece que está posando para a foto!"
"Até pode ser! Mas não contava com o efeito do flash em consonância direta com a imprevisibilidade da transparência!"
"É...", disse o Galvão, olhando detalhadamente a foto. "Pensando bem, esta segunda hipótese é mais verossímil: ela não estava contando com o efeito do flash em consonância direta com a imprevisibilidade da transparência..."
Dito isso, o Galvão saiu da sala e foi trabalhar. Mas por via das dúvidas, o dr. Pacheco, no fim do expediente, só foi embora depois que todo mundo já tinha saído. Entrou no elevador e sentiu um alívio por não ter encontrado alguém no caminho. Foi então que percebeu o olhar do Anacleto, o ascensorista, com um jornal embaixo do braço e jeito de quem queria falar alguma coisa. Desceram todos os andares e o dr. Pacheco com aquela sensação terrível de que o Anacleto iria abrir a boca a qualquer momento e tocar no assunto.
Quando o elevador parou no térreo e a porta se abriu, o Anacleto olhou bem no rosto do dr. Pacheco, um olhar inocente, sem maldade, como quem estivesse apenas querendo ajudar, e perguntou, em tom meio de confidência, quase sussurrando, muito próximo ao ouvido dele:
"Será que foi mesmo o frachi, dotor!?"
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