Segunda, 25 de fevereiro de 2002, 16h47

"Oi. Eu vim entrevistar o Fernando".

"Qual Fernando?".

"Fernando Souza. Do marketing".

"Fernando Souza? Se é entrevista, Leandro Silva, talvez".

"Esse".

"Sempre o Leandro. Ontem veio a TV aqui. Jornal, TV, rádio, revista. O cara está ficando conhecido. Trabalha no quinto andar, saindo do elevador à esquerda".

Fernando me recebe.

"Como foi que aconteceu isso?"

"Isso o quê?"

"De você desistir de morar em um apartamento, em uma casa, e... viver onde trabalha".

"Mais prático, né? Chegou uma hora em que eu me dei conta que não valia a pena sair daqui todo dia, ir para casa, dormir, depois acordar, vir pra cá, trabalhar e fazer tudo de novo. Agora eu só fico aqui".

"Tá, mas e... você ainda dorme?"

"Claro. Mais e melhor do que antes, inclusive. Essas cadeiras são muito confortáveis. Elas sobem, descem, inclinam para frente, para trás, giram..."

"Você não toma banho?"

"Evidente, todo o dia. A empresa possui um vestiário. Eu tenho um armário. Ali guardo minhas roupas, que não são muitas: um pijama, algo para trabalhar, algo para sair. Sou um cara simples. Sabe, você me olha com uma cara de reprovação, parece que eu estou fazendo algo de muito absurdo".

"Francamente, eu acho absurdo".

"É simples: chega o fim da tarde, todos vão para casa; eu já estou em casa. Às vezes, por diversão, eu até levanto da cadeira, dou uma volta e sento de novo. Um ritual tipo 'eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou'. Não sei o que você pode achar de tão absurdo".

"Mas eu só posso achar absurdo! Você não tem família, amigos, namorada? Não recebe visitas? Não faz sexo?"

"Ué, para isso existem restaurantes, bares, a casa dos outros. Conhece motéis?"

"Mas não pode ser! Você só come fora...

"Não sei cozinhar mesmo".

"As notícias, o mundo lá fora..."

"Internet".

"Não tem TV, vídeo, DVD ..."

"A empresa tem".

"Mas se um dia você tiver esposa, filhos..."

"Difícil,. Mas nesse dia eu penso nisso".

Fiquei sem argumentos.

"Bom", ele continuou, "enqüanto você pensa te digo mais vantagens. Eu não pago aluguel. Eu não pago telefone. Eu não pago água. Eu não pago luz. Portaria com segurança 24 horas. Vaga de estacionamento. Corte brutal no gasto com transporte. Nunca estou atrasado para o trabalho".

Na saída ainda lembrei de avisá-lo que o fotógrafo passaria mais tarde para tirar seu retrato. Pensei em perguntar se ele ia estar ali. Pergunta desnecessária.