Acordou decidido a fazer alguma coisa. Isabela ainda dormia e por alguns momentos Sérgio admirou-a com a lentidão que nunca dispunha quando estava acordada. Percorreu as pequenas marcas que conhecia. Uma cicatriz na testa da vez em que ela, ainda criança, bateu a cabeça na quina da porta. O queixo que Isabel nunca deixava ser tocado. Brincou com os cabelos e depois tamborilou suavemente os dedos pelos ombros da mulher. Sentindo a mistura de maciez e firmeza que se só se encontra nos jovens, se aproximou e sentiu seu cheiro. Então seus olhos chegaram ao nariz. Com uma careta, ele deu um salto e se levantou. Odiava aquele nariz. Para ele, não era um nariz mal desenhado ou desproporcional, como quase todo mundo tem. Era um nariz irreparavelmente feio. Ainda sonolento, preparou o café e bebeu sozinho. Ainda pensava no nariz: "Um monstro. Estraga qualquer conjunto".
Ao voltar para casa, naquela noite, suava. Abriu a porta e entrou na sala aos pulos. Arrancou um jornal de dentro da pasta e entregou a Isabela. Enquanto falava, começou um tique nervoso que sempre aparecia quando estava ansioso.
"Isabela - entortou a cabeça e fez um esgar com a boca - olha essa notícia".
No jornal, ela viu a foto de um homem completamente calvo, de uns cinqüenta anos. Na verdade não era uma notícia e sim o anúncio de uma clínica de cirurgia plástica.
"Ele - mais um giro com a cabeça - é o doutor Cristiano. Pode resolver o nosso problema. Diz aqui que é o melhor".
Ao perceber o que o marido queria, Isabela gritou de raiva, virou as costas e se trancou no quarto. Horas depois, no entanto, Sérgio ainda insistia. A vontade da Isabel aos poucos se desfez. Antes que a noite acabasse, cedeu. Sempre aceitava o que o marido queria. Mas enquanto Sérgio dormia, embalado pelo sonho do nariz novo, ela andou pela casa feito uma sonâmbula. Por horas se olhou no espelho, examinando cada pedaço do nariz. O que havia de errado? Não se sentia incomodada com o nariz, muito pelo contrário. Decidida a dizer isso ao Doutor Cristiano, entrou em seu consultório no dia seguinte.
"O que vamos deixar mais bonito?" - ele perguntou.
Ela mostrou o nariz. Doutor Cristiano se debruçou sobre seu rosto, apalpando e olhando seu nariz com uma lente de aumento.
"Impossível" - disse por fim. "Nunca vi um nariz tão perfeito".
Isabela contou tudo.
Uma semana depois, ela e Sérgio foram ao consultório do Doutor Cristiano retirar o curativo. Cada bandagem arrancada o cirurgião fez acompanhar de um comentário. "Foi um trabalho de mestre" ou "fizemos o impossível". Em vez de ficar ofendida com as observações, Isabela olhava para o médico de um jeito agradecido. Quando seu nariz finalmente surgiu, Sérgio deu um gemido e depois abraçou o médico. Começou a chorar, sussurrando "obrigado, obrigado...". Isabel também chorou, mas por uma gratidão diferente. Como combinaram secretamente, o cirurgião apenas cobriu o nariz com gaze e mercurocromo. Não fez cirurgia alguma. Sérgio, vendo seu nariz pela primeira vez do jeito que sempre foi, perfeito e belo, estava transtornado de felicidade. Quando beijou-o, soluçando, o tique voltou e começou a girar a cabeça como nunca.
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