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    MARIANA DIEHL BANDARRA
mariana.bandarra@terra.com.br

O piadista

Sexta, 01 de março de 2002, 15h46



– Modelo, manequim, bailarina ou professora.

– Muito bem, Amanda! E tu, Julinho? Vais ser o quê quando cresc...Não tem graça, Julinho.

Julinho não poderia mesmo ter sido um humorista, pois suas piadas não faziam rir a ninguém. Julinho era um infame, mas colocava em sua infâmia qualquer coisa de heroísmo, de arte. Era justamente a abnegação e a fé em si mesmo que distinguiam Julinho das outras crianças. Todos na classe queriam ser coisas. Ele não tinha ambições ou temores. Estava satisfeito com o que era.

No fundo, se divertia com aquele status de maldito. Às vezes passava horas a arquitetar novas traquinagens e detalhados planos de ação. Durante o tempo que levava para preparar seus ataques (horas ou dias), Julinho ficava envolto em uma bolha de satisfação contemplativa, como se guardasse nos olhos um segredo terrível. Por fim, ao ver bem-sucedidas as peças que pregava, ele se abandonava a um riso idiota, entrecortado por soluços e guinchos. Como da vez em que conseguiu esconder um sapo-boi dentro do confessionário, o que lhe valeu a antipatia do pároco e duas semanas de castigo.

A professora fazia ameaças: expulsão, suspensões, penalidades improvisadas. Julinho zombava dos castigos e escutava cada sermão com uma resignação indócil e artificial da qual não podia ser acusado.

Julinho caminhava sempre da escola até em casa, sozinho. Era uma verdadeira festa. O parque, a grande avenida, a ladeira, tudo cheio de pedrinhas coloridas e cachorros para chutar. Numa tarde, logo após o meio-dia, Julinho passou por um carro forte, em frente ao banco. Os guardas eram estátuas de carne - imóveis a não ser pelas gotas de suor que rolavam. O guri examinou de alto a baixo os seguranças, tentando imitar aquele semblante agressivo e confiante de quem tem uma metralhadora na mão. Sentiu que o mais baixinho dos guardas devolveu-lhe o olhar com o canto do olho. Julinho ainda sentia o olhar em suas costas, quando, voltando-se rapidamente com as duas mãos, ele atirou BANG! BANG! empunhando sua arma imaginária.

Cinco tiros certeiros no tórax. Julinho caiu em câmera lenta, como um boneco de pano. E em cada gargalhada do guri, o sangue vertia em golfadas, aumentando a poça vermelha no concreto.

Ofuscado pelo sol que ia alto, Julinho esqueceu da massa espectadora em volta de si. Logo já não havia riso na rua. Todos estavam sérios. Os guardas, imóveis em suas posições, guardavam sabe-se lá que tesouros. No rosto de Julinho, a sombra apagada de um sorrisinho malicioso resistia.

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