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    DANIEL GALERA
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Ladrão de moto dá de cara com cavalo

Terça, 05 de março de 2002, 14h51



1. O vendedor de frutas

Domingo é o dia que eu mais gosto de trabalhar, principalmente no verão. Por tudo que é lugar tá cheio de meninas bem bonitas passeando e andando de bicicleta com roupas curtinhas, eu gosto de olhar. Agora há pouco passei por uma loirinha bunduda de biquíni, e fiquei com o tico desse tamanho, porque posso ser pobre e velho, mas o tico ainda levanta e anda sim senhor! Eu toco o sino e grito "fruta e verdura novinha!, tá barato!" e dou uma varetada no cavalo pra ele subir de vez essa lomba porque freguesa que compra mesmo tem só lá em cima, no alto do morro, onde é cheio de casa de rico. Esse pangaré fedido é feio e manhoso, mas ainda não vi cavalo mais forte pra puxar carroça. O sol forte faz a alface murchar e o pangaré suar como um desgraçado, mas também faz as gurias tirarem a roupa, então tá bom. Tá ali a dona Iolanda. Hoje ela compra abacaxi, beterraba, nabo e tomate. Todo mundo compra tomate. Ô gente que come tomate. Ué, ninguém mais? Ninguém vai comprar porcaria nenhuma hoje? Vocês não comem não, seus miseráveis? A freguesia tá toda na praia, fim de semana no verão é brabo, as janelas todas fechadas, todo mundo se toca pra Cidreira e Tramandaí e essas praias aí e eu tenho que fazer bico na madeireira pra conseguir levar janta pra casa. Março, que mês de merda. Já tou descendo a lomba de volta e só vendi uma mixaria pra dona Iolanda. Dou mais umas varetadas nesse pangaré só de raiva, ele desce no apuro em direção ao asfalto, de volta pra avenida, onde só passa boyzinho e maconheiro acelerando com carro importado e freguês que é bom, nada.

2. O mecânico de motocicletas

Calçadão da praia de Ipanema. Só tem gostosa aqui. Todas louquinas pra trocar o óleo. E nenhuma olha pra mim. Saco. Mulher é fogo. Passa o cara dentro de um Golf, de um Vectra ou de uma Parati rebaixada e elas pulam pra dentro. Há três semanas que eu não esvazio as bolas. Mas acabo de ter uma idéia. Hoje eu vou me dar bem. Gostosas, não saiam daqui. Vocês não sabem a falta que eu faço pra vocês, gurias. Me levanto e caminho em direção à oficina. Cinco quadras, barbadinha véio. O senhor Renan que me desculpe, deve confiar muito em mim pra deixar a chave da oficina comigo no domingo, mas eu vou precisar trair a sua confiança, senhor Renan. Sabe como é. O senhor tem grana e uma esposa muito boazuda, mas com certeza já esteve de bolso vazio e na seca como eu. Abro a porta da oficina. Ali está ela, aquela belezinha. Uma Kawazaki Ninja tinindo, eu mesmo alinhei a roda e engraxei ela todinha ontem. Acaricio o tanque dela com carinho. Eu e você vamos dar a elas o que elas querem, não é? As gostosas vão pingar só de ver a gente passar acelerando. Vou fazer uma delas sentar no teu banco e colocar as pernas ao redor de ti, o que tu acha disso? Hein? Vamos lá. O seu Renan não vai descobrir nada. Giro a chave e acelero. Isso aqui tem mais motor que qualquer carrinho popular desses. Zero a cem em cinco segundos. Antes de ir para Ipanema vou ali na estrada pra Belém Novo dar um pau. Domingo não tem quase ninguém na rua. Olhaê. Cem por hora. Cento e vinte. Coisa de louco, véio. Cento e quarenta.

3. O cavalo

Velho desgraçado. Se não tivesse esse ferro dentro da minha boca e essas viseiras na minha cara me forçando a olhar pra frente e essa carroça maldita presa no meu lombo, eu juro que derrubava esse babaca ali de cima e matava ele na base do coice. Já me contentei em galopar direitinho e arrastar essa droga cheia de verdura e fruta lomba acima, tudo em troca da água e do capim que ele me dá - coisas não muito fáceis de achar sozinho aqui nessa cidade grande - mas ainda assim ele dá nas minhas costas com essa vara ardida pra burro, e parece que faz por prazer. Otário. Fica irritado com a vida de merda que tem e desconta em mim. Sei que ele me chama de pangaré pelas costas. Sem mim ele e a família dele morriam de fome. Meu lombo fica todo cortado e arranhado com essa sela caindo aos pedaços que ele coloca em mim. Meus cascos estão machucados, sinto uma coceira desgraçada e tá cheio de parasita esculhambando meu couro. Às vezes eu páro um pouquinho porque me assusto com essas coisas enormes que passam fazendo barulho e soltando fumaça na minha fuça (ônibus e caminhões, já escutei dizerem), ele rapidinho me bate pra eu andar mais rápido. Pra não enlouquecer, eu penso no lugar que eu nasci, só tinha capim, uns campos enormes, e mesmo com as cercas dava pra correr bastante. Minha mãe andava comigo e tinha bastante mosquitos, mas era ótimo. Às vezes quando não estou preso nessa carroça eu lembro daqueles tempos e, sem calcular direito, tento dar umas corridinhas e uns pinotes por aí, mas logo caio na real e dou de cara com um muro, ou um desses ônibus quase passa por cima de mim, o que eu imagino que ia doer bem mais do que as varetadas do velho. Agora ele já tá dando nas minhas costas de novo, o desgraçado. Quer que eu corra? Pois eu vou correr, tu vai ver uma coisa.

4. O estudante de segundo grau de colégio classe alta

Cheguei bem cedo no colégio na segunda de manhã. Tava louco pra contar a história pros meus colegas. Em geral eu não tenho nada pra falar e me sinto meio deslocado na minha turma, então é sempre bom ter uma história bizarra pra contar, todo mundo escuta e gosta e eu me sinto bem. Não fiz nenhum dos temas de casa e não li aquela bosta de livro que a professora de literatura mandou ler há dois meses atrás. Vidas na Seca, Vidas Secas, algo assim, do Guimarães Rosa. Ou era Graciliano Ramos? Tudo a mesma porcaria que não serve pra nada. Enquanto ninguém chegava, fiquei jogando um joguinho no meu celular. Putz, esqueci de passar gel no cabelo. Saco. Será que dá tempo de ir pra casa e voltar? Nah, deixa pra lá. Um pessoal já chegou aí. Me aproximo e digo que vi uma coisa muito animal ontem. Vocês não podem imaginar. Foi incrível. Ó, a Corina já tá interessada. Baita gostosa. Tem os maiores peitos da nossa série. Começo a contar a história. Eu tava passando de carro com os meus pais pela estrada da Serraria, na Zona Sul, voltando de um churrasco muito bom (tinha ceva liberada!) num clube dum amigo do pai lá, e tinha uma confusão no meio da rua, uns policiais. Adivinha o que eu vi? No final de uma lomba que dava na estrada, tinha uma carroça virada e um cavalo morto. O pescoço do cavalo deu um giro de 360 graus! Tava com a língua de fora, babando sangue. O carroceiro tava vivo, preso debaixo da carroça, gritando e com a cara toda cortada. Mais pra frente, tinha um cara de uns vinte anos com o crânio explodido. Uma piscina de sangue no chão, e lascas de osso pra tudo que é lado. E olha o detalhe mais legal: tinha uns pedaços de cérebro no poste do lado dele! Era rosinha, parecia que tinha espirrado pudim de morango no poste, nojento pacas. Uns cinquenta metros à frente, tinha uma puta moto daquelas japonesas, totalmente detonada. Uma pena estragar uma moto daquelas. Elas vão de zero a cem em cinco segundos, sabia? Mas enfim, meu pai perguntou pro policial o que tinha acontecido, e ele disse que o cara tava vindo pela estrada com a moto a uns cento e cinquenta por hora, e a carroça entrou na pista de repente. Uma guriazinha ranhenta que tava passando lá na hora viu tudo. Era uma cena e tanto. Alguém aí já viu um acidente mais animal que esse?

5. O cachorro

Ouvi uma barulheira danada, primeiro me assustei, depois fui chegando devagarinho, onde junta gente sempre acaba sobrando um naco de pão, um resto qualquer. Logo achei o que eu queria, tinha uns pedacinhos de carne rosa fresquinhos no chão, comi bem ligeiro, antes que chegasse outro e comesse no meu lugar.

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