Deu um trabalhão para convencer Perseu. Mas tão logo disse que sim e pus o carro pra andar, ele nem pareceu que estava contrariado. Começou a falar sem parar."Tu já viu o Luiz alguma vez? Eu já", disse.
Fez descrições. Luiz um homem gigante feito um urso, mãos e braços enormes. Às vezes, ele acrescentou, mata com as mãos, estrangulando, só porque dá mais prazer.
O carro percorreu veloz a Via Dutra. No porta-luvas, o mandado de prisão. Um revólver embaixo de cada braço, mais a pistola escondida dentro da calça, para o caso de necessidade. Luiz da Farmácia, chefe de um grupo de extermínio, 15 mortes nas costas, recitei, lendo o que o juiz mandou escrever no mandado. Sobre ele, guardara uma pilha de testemunhos dentro do armário na delegacia. Cápsulas apreendidas, laudos da perícia, confissões. Antes de sair, o delegado me chamou na sala dele e perguntou: vai continuar essa loucura de ir sozinho lá? Eu disse que sim. Não contei de Perseu porque se tem uma coisa que delegado não gosta é de alcagüete.
Paramos em um bar e pedimos uma coca e um quibe cada. Perseu continuou falando. O Luiz mora com a mãe desde criança. O pai era soldado da Marinha e largou a farda pra contrabandear armas do Paraguai. Botava fuzis, munição e metralhadoras num bote e atravessava o rio Paraguai até a margem do lado do Brasil. Depois enchia a caçamba de uma caminhonete e dirigia oitocentos quilômetros. Mas um dia tentou furar uma barreira da Federal em São Paulo e morreu com mais de sessenta tiros.
Uma rua cheia de lama. Rua da Solidão, alguém pintou de qualquer jeito numa placa de madeira e pendurou no poste. Estava anoitecendo quando Perseu me mandou parar. Apontou para uma casa caindo os pedaços: é aí que mora a mãe dele. Quando bati e a porta se abriu, veio primeiro o cheiro de comida. Dava pra separar o cheiro de cada alimento. O estômago roncou e as pernas fraquejaram, estava há horas sem comer. Foi mais difícil lidar com a mãe de Luiz. Mal me viu, ela tentou fechar a porta. A empurrei e tirei o mandado do bolso.
"Meu filho não está", ela gritou. "Talvez na sinuca", gritou de novo quando perguntei onde ele poderia estar.
Lá o garçom também fez uma cara feia quando perguntei por Luiz: Ele ainda não pintou hoje, falou de má vontade. Já tentou a farmácia? Às vezes ele fica até tarde trabalhando.
Paramos numa praça, longe da farmácia. No luminoso, dava pra ler de longe: Farmácia Ideal, aberta 24 horas. Fui sozinho. Perseu ficou escondido no carro. "Promete que não vai falar com ele de mim", ele pediu. "E eu lá sou de descumprir trato?", respondi, "vou pegar ele e colocar no porta-malas. Não vai te ver". No meio do caminho, um homem saiu da farmácia e veio na minha direção. Mas não era Luiz, só uma figura raquítica. Magro feito alguém doente. Tossiu e deu um boa noite baixinho quando passou. Eu respondi por educação apertei o passo. O funcionário da farmácia também me olhou de cara feia.
"Acabou de sair. Mas não é possível que o senhor não tenha visto. O senhor deve ter passado ele na rua".
Conhece o Luiz porra nenhuma. Pensei: vou dar um esporro nesse puto do Perseu.
Quando ouvi o tiro, corri para fora, mas só havia a praça e a rua escura. Nem sinal de Luiz. Perseu, encontrei caído no banco da frente, um buraco de bala bem entre os olhos.
Alexandre Rodrigues escreve às quintas-feira no Popular
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