"Eu notei que ele estava meio estranho", afirmou Joana, 22, integrante do grupo de amigos que enfrentou uma experiência grotesca no último sábado, no bar Axxxx, zona central da cidade.Segundo Joana, ela e mais seis colegas de faculdade reuniram-se para tomar uma cerveja no final da tarde. Entre os amigos estava G., 21 anos, estudante de Direito, protagonista do singular episódio que chocou a comunidade.
"Todos estavam muito animados, bebendo cerveja e rindo muito, com a exceção de G., que estava cabisbaixo e emburrado, bebendo mais que o normal e batucando nervosamente na mesa" disse Ronaldo, 27. "Ele sempre foi um cara calado e diferente, portanto ninguém estranhou", complementa.
Segundo relatos dos amigos e de testumunhas que sentavam nas mesas próximas, tudo estava perfeitamente normal até que G. levantou-se urrando, pegou uma das garrafas de cerveja sobre a mesa, quebrou o gargalo no encosto da cadeira e começou a dilacerar os própios pulsos.
Apavorados, os amigos precipitaram-se na direção do amigo, despejando sobre ele ordens para que largasse a garrafa e palavras de conforto, na tentativa de acalmá-lo.
Ervino, 23, entendendo que G. não pretendia parar de se machucar, saltou para cima do amigo e tomou a garrafa da sua mão. "Achei que isso resolveria o problema, mas ele começou a socar o rosto com os próprio punhos, num frenesi medonho", narrou Ervino. "Eu era o mais forte do grupo, e percebi que precisava fazer alguma coisa para salvar meu amigo, então usei uma técnica de jiu-jitsu para imobilizar seus braços, e joguei seu corpo sobre a mesa".
"Achamos que seria suficiente, mas G. passou a agitar a cabeça furiosamente, batendo com a testa e o nariz sobre o metal da mesa. Comecei a chorar vendo aquele sangue todo jorrando, tentei segurar a cabeça dele enquanto Ervino imobilizava seus braços, mas eu estava muito nervosa e não conseguia evitar que ele mexesse o pescoço", contou Mariana, 19, recuperando-se de uma crise de choro e ainda muito abalada com o acontecimento. "Conhecia G. há anos, era um menino muito inteligente, embora não falasse com muitas pessoas. Mas era uma pessoa alegre. Não entendo de onde veio aquela fúria toda, aquela vontade súbita de se matar", disse ela entre soluços.
Várias testemunhas que estavam no local foram até a mesa para acudir G. Segundo os relatos, quatro pessoas uniram forças para deter o corpo de G., que parecia obstinado em cometer suicídio naquele exato momento, a qualquer custo. Completamente imobilizado, com sangue escapando em profusão pelos pulsos, rosto e cabeça, G. não parecia disposto a perder seu objetivo de vista.
"Tomada de horror, percebi que entre palavrões e grunhidos horríveis ele começou a morder e mastigar os próprios lábios, ainda numa tentativa desesperada de se mutilar", disse Joana, não conseguindo evitar choro e tremores ao recordar da cena. "Foi muito, muito assustador".
Ronaldo interferiu no novo plano do amigo, enfiando os dedos na boca de G. e usando a força das duas mãos para separar as arcadas dentárias do companheiro. "A mandíbula dele parecia dotada de uma força sobrenatural, e mesmo alavancando a boca dele em sentidos opostos, ele conseguia morder os meus dedos. Levei dezessete pontos", mostra ele, com as mãos enfaixadas.
Quando a fúria autodestrutiva de G. parecia controlada, Aníbal, garçom do Axxxx que observava a cena de perto, notou que o rapaz estava trancando a respiração. "Ele começou a ficar roxo, com as veias saltadas. Era preciso fazer ele voltar a respirar, e no desespero comeceu a socar sua barriga. Pode não ter sido o método mais adequado, mas funcionou, ele se engasgava e colocava algum ar nos pulmões".
Cinco pessoas imobilizaram G. e Aníbal forçou-o a respirar até que a ambulância e a polícia chegassem ao local. Os enfermeiros administraram uma potente dose de sedativo no suicida e o levaram para o Hospital de Pronto Socorro. O doutor Elias Olmos disse que se tratava de um caso inédito, e que nunca presenciara algo tão grotesco em sua carreira. "G. sofreu traumatismo craniano, severo esmagamento facial e lacerações profundas nos pulsos. Controlamos a hemorragia e ele está em recuperação".
O Chefe de Polícia do estado, Sérgio Bakula, condenou a atitude de G. e diz que ele pode ser indiciado por perturbação da ordem. "Ele colocou a integridade física dos amigos e de outros cidadãos presentes em risco. Não custa lembrar que o próprio ato de suicídio é criminoso. É crime contra a vida".
A família defende G., alegando que ele deve estar mentalmente perturbado e precisa de compreensão e tratamento médico adequado. "Ele era o orgulho da família, rapaz muito inteligente, queria ser advogado" disse Lurdes, a mãe, emocionada.
Os amigos ainda não se recuperaram do choque, mas esperam que G. fiquei curado em breve e possa voltar a conviver com o grupo. "Todos gostavam dele. Seria triste acabar com essa convivência de maneira tão absurda. Queremos continuar dando a ele nossa amizade, e todo apoio que ele precisa. Todo mundo passa por momentos difíceis", disse Joana, com o assentimento silencioso dos demais.
Daniel Galera escreve às terças-feiras no Popular
Leia a crônica anterior
Veja as notícias »