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    ALEXANDRE RODRIGUES
alex.rod@terra.com.br

Humphrey Bogart

Quinta, 21 de março de 2002, 11h18



Na rua, o sinal fechado, eu atravesso correndo entre os carros. Os motoristas reagem com freadas e buzinadas. Me xingam: Louco, maníaco, idiota. Quando chego ao outro lado, paro ofegante diante da vitrine. Ainda está lá o cartaz. Vende-se. Ao lado, uma silhueta de papelão de Humphrey Bogart em tamanho natural. Entro na loja, pergunto o preço e acho justo. Compro.

Humphrey Bogart ficou alojado em frente à cama, na parede onde devia ter um armário. Deixo-o no quarto para escondê-lo de olhares curiosos, mas à noite, em segurança, o levo para a sala, coloco ao lado do sofá para vermos televisão juntos. No terceiro dia, começo a falar com Bogart.

Nos tornamos amigos rapidamente. Para minha surpresa, logo conto segredos de infância, namoros esquecidos, o gol que perdi na final do campeonato do colégio. Quando minha mãe liga e pergunta como vão as coisas, digo que tenho um amigo. Não dou mais detalhes, mas ela fica feliz. "Que bom, meu filho", repete várias vezes. Só ao completar uma semana no apartamento, Bogart fala pela primeira vez de seus problemas.

Tempo.

Ontem à noite Bogart saiu sem me avisar. Voltou de manhã, andando devagar para não fazer barulho. Tinha o rosto de papel amarrotado e enlameado, cheiro de vômito. Contou que saiu com madame C. Socialite. Estava numa delicatessen quando ela entrou e perguntou em voz alta onde ficavam as frutas secas.

"Era onde eu estava. Puxei assunto e falamos sobre nossas frutas secas preferidas. Damasco, laranja, figo, essas coisas. Na saída, me ofereci para levá-la até o carro", acrescentou.

Ela também aceitou o convite para beberem alguma coisa. Foram ao Café Majestic. Os dois conversaram e deram risadas e beberam vinho até não poderem mais. Ela, então, contou sobre sua vida. Foi quando ele falou de mim.

"Eu?"

"É. A mulher é viúva e podre de rica. Contei que conheço um jovem humilde e discretíssimo. E de grandes atributos físicos também. Ela ficou muito interessada".

Tempo.

Ela está morta há três horas. Quatro tiros do revólver calibre 38 que carregava na bolsa. O sangue de Madame C. já endureceu sobre o colchão. Deixo as cortinas fechadas e, na semi-penumbra, forço os olhos para achar Bogart. Encontro-o caído num canto, uma mancha de pólvora em volta do buraco, bem no meio de sua testa.

Tempo

Seis horas e não fugi. Eu ligo para a polícia. Uma voz anota o endereço e tudo mais o que digo, repetindo as palavras-chave: homicídio... viúva... crime passional... Demora mais de meia hora até aparecer um carro. Que Bogart é uma silhueta de papelão só conto para o policial quando o mostro caído num canto. Um perito mexe no corpo de Madame C. O policial, um tipo mulato e gordo, com um cordão de umbanda aparecendo por baixo da camisa, anota o que eu digo em um pedaço de folha de caderno. Pergunta quando foi que aconteceu. Meia-noite: eu respondo. E como foi?

"Ele se apaixonou por Madame C. Foi o que causou a tragédia. No fundo, no fundo, não passava de um homem como eu e o senhor".

Alexandre Rodrigues escreve às quintas-feiras no Popular

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