"Meu mundo caiu!", disse o Maurição, batendo o fundo do copo vazio sobre a mesa do bar.Os amigos do Maurição perceberam que alguma coisa, realmente, não ia bem com ele. "Meu mundo caiu" não era lá uma frase que combinasse - digamos - com a personalidade um tanto truculenta do Maurição.
Ninguém, no entanto, quis perguntar o porquê de ter assim, tão tragicamente, o seu mundo caído. Conheciam-no como a palma da mão e sabiam que, quando ele não estava a fim de ir adiante num assunto, quanto mais o indagassem mais indignado e refratário ele ficava.
Mas não demorou para que o Maurição, após longo suspiro, despejasse novamente sobre eles aquela frase reveladora de que alguma coisa de grave realmente havia acontecido na sua vida.
"Meu mundo caiu!"
E com um ingrediente novo: parecia que o Maurição queria mesmo era que alguém perguntasse o motivo de sua depressão e assim, ali, numa mesa de bar, na frente de todos, pudesse angariar uma palavra de conforto para aliviar a sua imensa dor.
Depois de alguns instantes de silêncio, como ninguém perguntasse, ele tomou a iniciativa de revelar o acontecido:
"Vocês sabem a Nicete!?", perguntou, olhando em volta, encarando um por um dos amigos que estavam em torno da mesa.
"Sim! Sim!", responderam todos.
"Aquele monumento de mulher, sabem!?", continuou o Maurição, reflexivo.
"Quem não conhece a Nicete aqui no bairro, pô!", observou um deles, ansiado pelo desfecho da história.
"Pois é...", disse o Maurição, tomando um gole de cachaça. "A Nicete tá lá em casa, agora."
"Não!!!", protestaram todos. "A Nicete lá na sua casa, agora, e você aqui!?"
"Vai pra casa, Maurição!"
"Não é nada disso que vocês estão pensando. Infelizmente, diga-se de passagem", continuou ele, "Nós estávamos no elevador... Eu, ela e mais ninguém pra contar a história... Um vestido justíssimo, transparente... Um vestido daqueles que parecem ter nascido junto com o corpo da mina, sacam?"
"Sim, sacamos!"
"Vocês me conhecem, né gente!? Posso ter todos os defeitos do mundo, mas numa situação dessas eu faço o que manda o bom senso! Ou seja: aprecio o material em toda a sua dimensão e plenitude."
O Maurição fez uma pausa para outro gole:
"E foi esse meu mal, gente. Enquanto examinava visualmente o conteúdo, querendo ver até os seus mais omissos detalhes, percebi que um Aedes Aegypti acabava de pousar na nádega esquerda da Nicete..."
"Aí você matou o mosquito!?"
"Isso eu não posso precisar", respondeu o Maurição. "Mas fiz o que qualquer um de nós faria numa situação dessas, em que uma epidemia terrível e medonha assola o país de Norte a Sul, num momento em que vivemos todos em constante tensão e medo, o coração na boca diuturnamente diante da macabra possibilidade de darmos de cara com a morte numa esquina qualquer do nosso quotidiano, no interior de um prosaico pneu velho esquecido num terreno baldio ou até mesmo no pratinho de água de uma inofensiva bromélia que pousa, inocente, na sala de estar das nossas mães, numa mísera poça de água parada no meio do caminho, porque no meio do caminho sempre tem uma pedra ou uma poça d‘água..."
"Não sacrifica, Maurição! Por favor!"
O Maurição interrompeu a narrativa por alguns instantes, taciturno, depois voltou a falar:
"Vocês acham que a minha mulher vai acreditar na minha palavra?"
"Sinto muito, Maurição, mas ela não vai acreditar, não! Nem que a vaca tussa!", disse um dos amigos.
O Maurição pensou um pouco, olhou para a porta, por onde imaginava sua mulher entrando a qualquer momento para armar um solene barraco, e reiterou, entre resignado e apreensivo:
"Mas pelo menos fiz a minha parte, gente! Um aedes a menos no ar pra nos atormentar a vida..."
E tomou mais um farto gole de cachaça enquanto afinava a retórica e ensaiava os argumentos de defesa.
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