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EMILIANO URBIM
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Isso
Segunda, 25 de março de 2002, 16h05
"Isso são horas?" Isso é ela, minha amada, essa fada, me dando uma bronca. Me chateando. Me cobrando. Cobrança, isso, demorei para me dar conta. No começo, isso era até engraçado. Tudo bem, talvez não fosse, mas eu achava. Achava que isso era ciúmes, que ela se preocupava comigo, mas isso não é verdade: é só posse. E pose. No começo, isso não era assim. "Isso nunca me aconteceu antes", isso sou eu, e ela acreditou, ou pelo menos entendeu. "Isso que eu não ouso dizer o nome/ isso que doi quando você some/ isso que brilha quando você chega/ isso que não sossega", isso não é ela nem eu, é Chico César, a música chama "Isso" mesmo. Não que eu achasse muito bom, mas era alguma coisa em comum. O colégio, o bairro, a rua, a amiga, a praia, o xis, o pastel, a pimenta (do reino). Elos. Perdidos. Isso é muito clichê, isso de palavras soltas com ponto final. Clichê-mor: eu e ela, perdidos, desconhecidos íntimos na mesa de pub, nosso primeiro encontro. Pub nada, era um boteco que se considerava pub, isso mesmo. "Isso é Paloma Picasso ou teu suor é perfumado?", argh!, que cantada asquerosa, isso é desse primeiro encontro, no pub que não era pub. Noite de pescar frases soltas, prospectar sentimentos, trazer à tona histórias boas, içar o baú do tesouro - iço, iço, iço. "Isso, isso, isso", com o dedo indicador e cara de abobado, isso é Chaves, seriadinho mexicano, uma das primeiras discórdias. Porque alguém não pode ser sua alma gêmea e gostar de Chaves?, isso é ridículo. "Esse é o meu compromisso, e eu acredito nisso, por isso", isso é Da Guedes, banda de rap, discurso de periferia e isso e aquilo, nada contra, mas ela bem burguesinha e defendendo, e eu respeitando. Por isso mesmo queria respeito ao Chaves. Mas isso é o de menos. "Isso são horas?": isso é o que machuca. Não pelas "horas", que realmente "não são", não discuto, mas pelo "isso". O que ela quer dizer com isso? "Então agora eu não posso chegar a hora que bem entendo, é isso?" Tento lembrar de quando as horas, fossem quais fossem, eram ela. Mas divago, divago, hora de por isso em pratos limpos. "Então agora eu sou propriedade de alguém, eu sou uma entidade, um casal, é isso? É isso?" "Isso é uma grande injustiça que tu tá fazendo. Cacete! Só fala... porcaria. Dane-se, dane-se." Isso de ela não falar palavrão sempre me irritou. Mas eu relevava, queria a relação "qualidade total". ISO 9000, isso. Mas isso não engana mais ninguém. Por isso não. Era isso.
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