EU SOU Alice. Comecei há três semanas a seguir as pessoas na rua. Não esperem nenhuma lógica disso. Não há uma ciência em seguir as pessoas. Escolhe-se uma e se vai atrás, esperando qualquer coisa interessante. Viver um pouco da vida alheia, um momento que não seria meu de outro modo. A viagem pode me levar a um elevador cheirando a mofo ou a um cinema pornô da Avenida São João. Escolho as pessoas conforme me parecem interessantes. Foi assim que segui o cavalheiro de terno azul até este bar, acho que por causa do perfume que ele está usando. É difícil achar homem que use perfume de mulher.
EU SOU o senhor de terno azul. Não notei que estava sendo seguido, mas isso é normal. Minha mulher diz que sou um avoado. Presta atenção, Ludoval, ela grita o tempo todo. Não vi a mulher até que um amigo me mostrou, dizendo: entrou logo atrás de ti. Vai ver estava na tua cola. Nessa hora nós dois rimos juntos pra valer.
EU SOU o amigo do Ludoval. Vi a mulher logo que entrou. Falei pra ele: Olha só, essa beleza bem atrás de você... Mas ele demorou um tempão para olhar. Até o garçom, que estava longe e de costas, viu primeiro a mulher. O Ludoval é lerdo assim mesmo. Às vezes eu acho que ele tem algum problema de cabeça.
O GARÇOM, muito prazer. Quando a mulher entrou, eu corri e limpei a única mesa vaga. Ela se sentou e perguntou se podia fumar. Sem problemas, respondi. Pediu uma cerveja e um café expresso e depois sussurrou “obrigado” com voz de mulher fatal. Foi quando entraram aqueles dois homens.
NÃO TENHO vergonha de dizer: eu vim atrás da mulher. A seguia pela rua havia mais ou menos um quilômetro. Sem nenhum motivo, confesso, a não ser que estava hipnotizado por aquele corpo. Quando ela passou por mim, me virei e vi a bunda perfeita, as coxas pulando para fora do vestido. Mudei de direção. Sou assim mesmo, não posso ver mulher.
SOU DETETIVE particular. Estava seguindo este senhor a pedido da mulher dele, que me contratou há três dias. Foi ao meu escritório chorando e disse: ele me trai, tenho certeza. É melhor esquecer tudo e voltarem pra casa, eu respondi, isso é a coisa mais normal do mundo. Mas sabe como são algumas pessoas. Ela insistiu, me deu um endereço e acrescentou: o Edson se reconhece fácil. Anda pra cima e pra baixo com uma maleta de alumínio. Não tem como deixar de notar.
NÃO ENTENDI nada quando, já de noite, olhei pela janela e todo mundo passou na calçada, um por um, feito procissão. Na frente, seguiu o gordinho de terno, com duas rodelas de suor embaixo do braço. Depois, a mulher bonita. Por último, o sujeito grandão, balançando para a frente e para trás uma maleta de metal reluzente, sem tirar os olhos da mulher. Então pensei: tá pra mim. Pus o 38 na cintura e desci os degraus de dois em dois para não ficar muito para trás. Só na calçada, depois de apertar o passo, notei o baixinho no encalço do grandão da maleta. Dei uma avaliada: tem cara de ladrão, o safado. Quando o homem de terno entrou no bar, todo mundo foi atrás. Entrei também. O bar estava cheio, a mulher, sentada num canto, era o centro das atenções, a única mulher presente. Homens babavam, pareciam que bebiam só pra reunir coragem de ir até ela. Quando puxei a arma, ninguém prestou atenção. Para ser ouvido, precisei gritar e mostrar o revólver. Disse "é um assalto" e, quando todo mundo se acalmou, comecei a fazer o meu trabalho.
Alexandre Rodrigues escreve às quintas-feiras no Popular
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