Justiça seja feita. Jamais alguém poderá culpar o Givanildo pelo incidente ocorrido na sala de parto, no dia em que Belinha deu a luz ao primeiro filho do casal. Ele sempre teve humildade para admitir que era vil e desmaiava quando via sangue. Nem precisava tanto. Vidro de ketchup em porta da geladeira já era o suficiente.Se alguma pessoa tem culpa pelo incidente, é a sogra do Givanildo. A Belinha, por conhecer bem o marido, nunca esteve muito segura da idéia e não raras vezes se mostrava compreensiva diante da humildade dele para admitir que poderia criar algum inconveniente em momento tão delicado.
D. Gertruda, uma entendida de medicina caseira e muito receptiva a idéias modernosas, era da escola que defendia a presença do marido na sala de parto como um ato solidário, para dar força à esposa e ajudá-la a enfrentar uma situação divina e dolorosa ao mesmo tempo.
"Deixa de ser covarde, Givanildo! Um gringo desse tamanho com medo de sangue! Eu só queria ver se um dia você tivesse que agüentar no osso do peito a dor do parto, que eu reputo divina, com essa vileza toda!", dizia ela.
"É involutário, dona Gertruda. Já desmaiei várias vezes. Eu até que tento resistir... mas não cnsigo", argumentava ele.
"Tudo o que aconteceu até aqui foram guerras inglórias, sem causa, Givanildo. Agora trata-se de um motivo nobre, uma causa sagrada. Assim a cada homem do universo habitado fosse dada a oportunidade de presenciar a divindade do parto. Acho que homem nenhum deste mundo, em plena atividade de suas faculdades mentais, se furtaria ao prazer de testemunhar um espetáculo de tamanha grandeza. Seria negar a si próprio a chance de comungar com o que há de mais imaculado e hercúleo na natureza humana".
"Concordo, concordo! Se bem que não me parece um espetáculo tão belo, assim! Meio antiestético..."
"Antiestético!? Antiestético é um gringo do teu tamanho, bochechas rosadas e são de lombo, se chamar Givanildo!"
O Givanildo regateou o que pôde, mas acabou sucumbindo. Na segunda madrugada depois do acordo, ao surgirem as primeiras contrações, foram-se os três para o hospital. Uma hora de espera, os dois tensos e silenciosos, d. Gertruda sempre impávida diante da vitória consumada, esperavam chegar a grande hora. Até que o médico chamou-os para a sala de parto, a criança começava a nascer.
Nem bem entraram iniciou-se a discussão. Ela dizia que era menina, ele dizia que era macho.
"Ela tá com o rosto fino e a barriga pontuda. É menina! Além do mais deu na ecografia!", argumentava a sogra.
Excitado, o Givanildo foi perdendo a calma, até que empurrou a sogra para trás de um armário, enquanto o médico ameaçava expulsá-los da sala se não se comportassem adequadamente.
Finalmente a criança começou a nascer:
"É macho! É macho! Tá vendo!", gritava ele, fora de si de tão excitado, os punhos cerrados ma direção da sogra. "É macho do saco preto e vai se chamar Givanildo como o pai!"
"Isso nunca! Neto meu se chamando Givanildo!? Só passando por cima do meu cadáver!"
"Pois que não seja por isso!", gritou ele, saltando sobre a sogra.
Foi a redenção do Givanildo. Demoliu a sala de parto e só não fez o mesmo com a d. Gertruda porque foi contido. Perdeu o medo de sangue e batizou o filho de Givanildo Jr. Ainda se permitiu o direito de apelidá-lo de Giva. Aos amigos, depois do sexto chope, sempre que repete a história, não se cansa de dizer que transformou a sala de parto "num verdadeiro pedaço de Saigon".
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