» Página inicial

    MARIANA DIEHL BANDARRA
mariana.bandarra@terra.com.br

O príncipe Tomasi de Lampedusa e o verdadeiro amor

Sexta, 29 de março de 2002, 14h11



O sol se punha por trás das pedras na ilha de Lampedusa, a baía estava deserta. O príncipe Tomasi recitava ao mar verdades em grego arcaico, tivera sempre a impressão de que as verdades em grego arcaico são mais bonitas. E parte desta beleza é a solidão que as permeia. Tomasi tinha 18 anos e falava sozinho ao mar, que respondia gritando.

Porém no diálogo solitário, Tomasi falava do amor. Eram os gregos que falavam, mas também ele, com suas observações críticas ao fim de cada trecho. O vento levantava a areia e um assovio muito agudo correu a praia. A voz do mar respondeu, em grego arcaico. E era a voz da bela Helena, deitada na beira da praia. Tomasi aproximou-se, prosseguindo com a conversa, nunca antes conhecera alguém que soubesse grego arcaico. Helena apresentou-se com uma leve mesura de cabeça. Tomasi disse-lhe que era o príncipe daquela terra e deu as boas vindas. Os dois falaram muito e depois calaram, lado a lado.

Na manhã seguinte, Tomasi correu para a praia para praticar grego, e logo que começou, ouviu o assovio de Helena. Desta vez ela veio mais perto, até a areia seca, e deitou seus cabelos negros cheios de algas sobre o colo de Tomasi. Helena chorou, ela que o amara por tantos anos, que ouvira tudo o que ele dissera sobre a vida e sobre os homens, que compreendera o verdadeiro amor seguindo suas palavras.

Tomasi beijou-a. Beijou seus seios de algas e suas coxas de peixe, seu umbigo de pérolas. Amou sua alma e seu corpo, até que anoiteceu. Helena catou peixes e ouriços, que comia vivos. Tomasi comeu também, e lhe pareceram o banquete mais saboroso. Os dois adormeceram na praia abraçados, apertados. Quando Tomasi acordou o sol já ia alto, e não havia ninguém na praia.

Voltou correndo ao palácio onde seu pai o aguardava furioso. Onde afinal de contas ele estivera? Tomasi calou-se. Deveria assumir o trono em breve, era preciso manter a compostura. À noite, antes de dormir, Tomasi ouvia o assovio de Helena ao longe e chorava. Encontrou na biblioteca um livro sobre um Senador, e anotou na margem: "o mais importante é aquilo que se perde".

Tomasi tornou-se rei dali a poucas semanas, e as tarefas monárquicas o ocupavam a ponto de não poder sequer chegar perto da praia. Lembrava-se de Helena, mas com uma certa tristeza, um certo desespero do qual não podia falar a ninguém.

Passados muitos meses, ele escapou no meio da madrugada e foi até a baía. Gritou o nome de Helena, proclamou-lhe seu amor em grego arcaico, mas apenas o assovio se ouviu, distante e abafado. Helena o havia abandonado, pensou. E tratou de ocupar-se de seus assuntos políticos, estudos e rodas da nobreza. Sempre que conhecia uma jovem pretendente, Tomasi fazia o teste do grego arcaico, era um modo de eliminar suas candidatas. Mas um dia conheceu uma moça, sobrinha do Rei de França, que lhe respondeu rindo "Ah, meu grego está tão enferrujado". Com esta, Tomasi casou-se.

Aline era bela inteligente, agradável e amorosa. A lua de mel seria na Grécia, onde as praias eram lindas. No navio Aline estava radiante, o chapéu combinando com o vestido e os sapatos. Tomasi observava a esposa à distância, os lindos brincos de pérola que adornavam suas orelhas delicadas. E de repente, um ruído agudíssimo ensurdeceu a todos, e o Rei Tomasi jogou-se ao mar. As águas voltaram a se acalmar, e a viagem seguiu tranqüila até seu destino.

Leia a crônica anterior

Veja as notícias »


outros canais
  • Exclusivo!
    Televisão, moda, astros e babados
  • Notícias
    Tudo o que acontece no Brasil e no mundo
  • Esportes
    Notícias, fotos e cobertura de jogos
  • Revistas
    Para todas as idades e gostos
  • Copyright© 1996 - 2000 Terra Networks, S.A. Todos os direitos reservados. All rights reserved.