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    ALEXANDRE RODRIGUES
alex.rod@terra.com.br

Toc, Toc, Toc

Quinta, 11 de abril de 2002, 15h38



Pontualmente às três e cinco, o mensageiro se levantou de seu posto, caminhou pelo longo corredor do primeiro andar e bateu à porta do quarto do senhor M. Ao ouvir as batidas, o senhor M. respondeu de dentro da mesma maneira, mas não abriu a porta. Apenas repetiu o que ouvira, com o mesmo intervalo e força. Três batidas, toc, toc, toc, e então o mensageiro balançou a cabeça em sinal de positivo e se pôs no caminho de volta.

Às quatro e cinco, olhando os ponteiros de um grande relógio no corredor, o mensageiro repetiu o ritual. O senhor M., do lado de dentro, também reprisou os gestos de uma hora antes. As batidas, percebeu o mensageiro, foram mais fortes, quase socos na madeira. Depois, restou um leve eco, que logo desapareceu, o silêncio e o corredor vazio.

Às cinco e oito, o mensageiro acordou, se levantou às pressas e, vendo que estava atrasado, disparou pelo corredor para chegar a tempo. Ofegante, deu três pancadas rápidas e encostou o ouvido na porta à espera da resposta do senhor M. Passaram-se segundos antes de o hóspede dar sinal do outro lado. Como havia feito o mensageiro, o senhor M. respondeu com três batidas rápidas na madeira.

Por medo de repetir o fiasco anterior, o mensageiro levantou-se às seis em ponto e se pôs a caminho no corredor. Andou devagar, tentando lembrar, entre os hóspedes, qual era o rosto do senhor M. Ficou indeciso entre um velho careca e de bigodes, parecido com o Barão do Rio Branco, e outro de barba tingida de castanho. “Da próxima vez”, prometeu a si mesmo, “vou dar uma boa olhada nele”. Quando deu a primeira batida na porta, o relógio do corredor marcava seis e cinco. Satisfeito, voltou assoviando um samba antigo e calculando os pontos que faltavam para seu time se classificar no campeonato.

Às seis e cinqüenta, o mensageiro entrou em um café, carregando um bilhete para Madame Y., hóspede do 1201. Enquanto caminhava, calculou: “O café fica a três quadras. Faltam quinze minutos, mas vai dar tempo de voltar”. Leu de novo o papel com as ordens para o Senhor M., “Por favor, dar três pancadas na porta exatamente cinco minutos passados de cada hora”, e guardou-o no bolso. Madame Y. estava no meio de um grupo, fez um sinal impaciente com as mãos para ele esperar enquanto contava uma piada. Antes de chegar ao final, no entanto, deu uma gargalhada sozinha, e não conseguiu terminá-la. Seu rosto ficou vermelho, uma grande veia grossa saltou do pescoço. Só depois de muito esforço conseguiu se conter, mas quase ninguém lembrava da piada, então contou-a de novo e mais uma vez engolfou as palavras com risos. Muito tempo se passou até que, descabelada de tanto rir, ela se lembrou do mensageiro. Leu o papel, fez uma careta, amassou e jogou no chão. Entregou uma moeda como gorjeta.

Esbaforido e suado, o mensageiro bateu à porta de Senhor M. às sete e quarenta e cinco. Desta vez não ouviu resposta depois das três pancadas. Bateu de novo e mais uma vez só houve o silêncio do outro lado. Chamou o nome de senhor M. Uma, duas vezes. Na terceira, percebeu que estava gritando. Sua voz reverberou em um eco pelo corredor, mas ainda assim o senhor M. não respondeu. Voltou ao saguão e chamou o gerente. Notou o pânico no olhar do chefe enquanto dava a notícia. Um rosto sombrio disse: “Acho que devemos ir lá”.

Gerente e mensageiro se aproximaram quase oito em ponto Bateram e gritaram, porém mais uma vez o senhor M. não respondeu. Alertados pelo barulho, alguns hóspedes enfiaram as cabeças pelas portas e olharam o corredor. O gerente, dando um suspiro, olhou para o mensageiro e depois enfiou uma cópia da chave na fechadura. Escondeu com o corpo, ao entrar, o interior do quarto dos olhos no exterior. Senhor M., sentado, os olhos abertos em direção à porta, um fio de baba já ficando seca no canto da boca. Na mão direita, um bilhete: “Hoje à tarde parei de tomar o remédio para o coração”.

Ataque cardíaco fatal. Não havia nada a ser feito. O perito da polícia falou com o gerente e fez anotações na prancheta ao mesmo tempo. Discretamente, o rabecão encostou nos fundos do hotel e retirou o corpo do senhor M. pela lavanderia. O mensageiro acompanhou a operação fingindo rabiscar um bloco. Senhor M. ainda não estava no rigor mortis. No meio do caminho, um braço saiu para fora da gaveta onde o corpo era carregado. O gerente olhou para o mensageiro. “Pode ir embora mais cedo hoje”, disse. Trocou de roupa devagar, fumou um cigarro e começou a sair. Quase na rua, ele sentiu o impulso de voltar. Correu pelo saguão até as escadas e depois até o corredor do primeiro andar. Olhou o relógio. Dez e quatro.

Para passar o tempo, tentou enxergar o contorno dos desenhos da passadeira com os olhos quase fechados. Uma fila de grandes dragões alaranjados foi impressa no tapete. Cada dragão engolia o rabo do próximo e assim em diante. Às dez e cinco, esqueceu os dragões e, bem devagar, bateu três vezes à porta do quarto do senhor M. No instante seguinte, ouviu três batidas na madeira, nítidas, vindas do lado de dentro.

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