Quando completou 121 anos de idade, Adamastor decidiu convidar um jovem escritor para escrever sua biografia. Interessado na história do homem mais idoso do país, um estudante de Letras ofereceu-se para a tarefa. Na primeira reunião, depois de tomar um café com Adamastor, o rapaz pediu ao velho que relatasse sua vida desde a infância.Adamastor contou como foi sua criação numa chácara do interior do estado. Seu pai era um pequeno agricultor que cultivava morangas e domava cavalos. A mãe era uma dona-de-casa habilidosa e adorava tomar chimarrão e assistir às novelas da Globo. Quando não estava no colégio ou na missa, Adamastor comprava gibis e, depois de lê-los, trocava com os amigos, com quem também andava de bicicleta diariamente.
Aos 15 anos, mudou-se para a capital e morou na casa de um amigo de seu pai até formar-se no segundo grau. Antes de passar no vestibular para Administração, comprou em parcelas uma moto 125cc. Vivia andando de moto e tomando cerveja com os amigos. Precisando de dinheiro, pegou um emprego como motoboy. Conheceu Laura na faculdade e, depois de um ano e meio de namoro, tiveram uma filha. Adamastor se casou com Laura duas semanas após a formatura.
Depois de trabalhar mais alguns meses como motoboy, conseguiu financiamento para abrir sua própria microempresa de entregas e transporte. Aos pouquinhos, o negócio se estabilizou e Adamastor conseguia tirar um salário razoável. Mudou com Laura e a menina para um pequeno apartamento no bairro Menino Deus.
Adamastor nunca parou de andar de moto. Era seu hobby preferido. Nos fins de semana, ia para a praia ou para a serra na sua Yamaha, cuja manutenção ele fazia questão de realizar sozinho.
Com o passar dos anos, a filha de Adamastor, que se chamava Luciana, cresceu, formou-se em Relações Públicas e mudou com o namorado para Minas Gerais, onde administra uma pousada em uma das chapadas da região. Adamastor trabalhou como diretor da empresa de entregas e transportes até se aposentar. Aos quarenta anos teve um câncer de pele, mas tratou-se cedo e ficou tudo bem. Vendeu o apartamento e foi morar com Laura numa casa da zona sul, mais sossegada. Durante os cinqüenta anos seguintes, aproveitou para dormir bastante, ler livros como "Guerra e Paz" e "Grande Sertão: Veredas", e fazer algumas pequenas viagens para destinos como as Missões e Buenos Aires. Laura morreu dormindo aos 70 anos de idade, e desde então Adamastor simplesmente ia levando a vida, passeando no sol da manhã e mantendo relações sociais com os vizinhos.
Não tinha nenhum segredo para sua longevidade. Talvez fosse o café. Ou quem sabe os três cigarros Marlboro que fumava por dia.
Depois de meia dúzia de entrevistas, o estudante de Letras disse que estava satisfeito e foi pra casa analisar suas anotações e gravações sobre a vida de Adamastor. Uma semana depois, ligou para o velho e disse que não havia um fato sequer na sua centenária existência que merecesse um parágrafo de uma biografia. Adamastor ficou muito amargurado com as palavras do jovem e foi até a garagem chorar diante de sua velha Yamaha, de modelo ultrapassado, mas impecavelmente conservada, com lataria reluzente e óleo pingando das correias. Tinha vontade de ligar a máquina e deslizar os pneus pelas curvas asfaltadas da serra, mas há muitos anos já não tinha forças para pilotar a moto.
O jovem estudante morreu por overdose de drogas quinze dias depois, aos 23 anos, durante uma orgia homossexual gótica transmitida pela internet.
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