As formigas surgiram de manhã na casa de Tomás D. Com uma careta, engolindo o açúcar no fundo do copo, ele terminou de beber o café com leite quando notou a coluna de pequenos grãos negros se movendo pelo meio da sala. Subiam pela parede, entrando por um buraco perto do chão. Tomás D. sabia que as formigas são animais que vivem em sociedade, que milhões delas poderiam estar por perto. Teriam montado uma colônia na parede? Interessado, se aproximou e começou a acompanhar seu trabalho. Pequenos insetos apressados carregaram uma asa de barata e pedaços de folhas pelo buraco. Mancou até o armário e buscou uma lente de aumento meio arranhada. Seu olho se tornou gigante visto pela lente quando pegou com delicadeza uma das formigas e aproximou do vidro. Antenas se moviam com nervosismo, os grandes olhos, pontos pretos no exoesqueleto vermelho. Esmagou-a com a ponta dos dedos. Apesar de seu tamanho, as outras formigas o ignoraram até que de repente ele bateu com a mão na parede. A trilha se desfez, formigas caíram mortas ou se retorcendo no tapete. As que restaram começaram a andar desordenadamente, mesmo as que já estavam perto do buraco. Tomás D. apanhou, então, o inseticida e, sem nenhuma pena, espalhou um jato molhado até cobrir toda entrada do formigueiro.
Depois do almoço, Tomás D. comia a sobremesa e tentava se distrair. Ainda não havia entendido como as formigas surgiram quando percebeu uma mosca voando sobre sua cabeça. Sabia que a mosca é uma maravilha da aviação, que seus pousos são tão perfeitos que não podem ser imitados por nenhuma engenhoca criada pela mente humana. Mas também que transmitem doenças terríveis. Notou, então, que havia mais de uma mosca. Eram dezenas, voando por todos os lados. Brandindo uma revista, Tomás D. desferiu golpes pelo ar.
Um golpe de sorte e matou uma mosca pousada na mesa, deixando uma mancha gosmenta no lugar. Matou outra e outra. Ainda havia moscas voando e pousando sobre os móveis ou batendo nos vidros quando fechou a janela e depois correu para fora, trancando a porta.
Ofegante, sentou do lado de fora para tomar fôlego. “Algo errado”, falou para si mesmo. Seria culpa do calor? Uma vez leu que insetos se proliferam quando a temperatura está alta. No termômetro da cozinha, conferiu a temperatura: apenas 12 graus. Abriu as janelas do resto da casa e recebeu um vento frio no rosto.
Tentou se distrair vendo televisão. Parou em um programa sensacionalista. “Meu marido me espanca”, disse uma mulher, duas manchas escuras embaixo dos olhos. O marido estava sentado numa poltrona. Levantou e correu em sua direção. Com uma bofetada, a jogou no chão. Dois seguranças enormes correram e o agarraram. Jogaram-no no chão com força e instalou-se um pandemônio de gritos e palavrões. Alguém apareceu com um balde d´água e todos ficaram molhados. Tomas D. começou a rir. Nem se lembrava mais das moscas quando notou um mosquito sugando o sangue de seu tornozelo. Cuidadosamente aproximou a mão e depois baixou-a com força. Um estalo, o mosquito esmagado, uma mancha de sangue. Havia uma marca de picada no tornozelo, Tomás D. percebeu, lavando as mãos. Depois notou outra ferida, no dorso da mão. Um mosquito voava à sua volta. Correu até a sala e, de revista em punho, passou a perseguir o mosquito. Logo tinha picadas no pescoço e ambos os braços.
Havia insetos voando, saindo dos cantos no chão. Planavam pela sala. Procurou pela casa até achar o inseticida que usara nas formigas. Espalhou uma grande nuvem de veneno por toda a sala. Satisfeito, deu um sorriso ao ver que os mosquitos não voavam mais.
Então se aproximou do chão e viu um mosquito deixando uma fenda na madeira.
Apanhou o inseticida e foi até o lado de fora da casa. Embaixo do assoalho havia um espaço com menos de um metro de altura, um vazio escuro cujo único acesso era por um buraco do tamanho de uma janela. "O ninho deles deve ficar aí embaixo", pensou. Enfiou-se pelo buraco. Mal entrou, sentiu as picadas. Centenas, milhares pelo corpo. Acendeu uma lanterna. Mosquitos de vários tamanhos e cores cobriram seus braços e pernas, quase não abrindo espaço para a pele mesmo quando Tomás D. se debatia, desesperado. Besouros, atraídos pela luz, avançaram em sua direção. Larvas de muitas cores se arrastavam em quase todos os lugares. Numa fresta por onde entrava luz, uma mariposa voou e bateu na madeira. Tomás D. começou a se arrastar de volta para o buraco por onde entrara. Não viu o pó caindo dos buracos na madeira do assoalho, longas trilhas de cupins trabalhando e comendo febrilmente. Estava quase saindo quando um imenso buraco cavado pelas formigas se abriu embaixo da casa, tragando seu alicerce.
Os vizinhos lamentaram a morte de Tomás D. Uma infelicidade. O corpo foi velado em um caixão fechado. Nenhum parente ou vizinho quis vê-lo. No meio do velório, entre o cafezinho e piadas, José M., amigo de trinta anos de Tomás D., comentou com um repórter: “Foi material de segunda. Economizam no cimento e dá nisso. A casa veio abaixo”. Em volta, todos concordaram com a cabeça.
Na manhã seguinte as formigas surgiram na casa ao lado daquela onde morou Tomás D.
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