Quinta, 25 de abril de 2002, 16h29

Reação nervosa

Pelo espelho, viu seu rosto magro e esfomeado e o caldeirão fumegando. Se serviu de um prato, sem pensar em esperar os moradores. Vagou dias pela floresta. Mal comeu e dormiu antes de encontrar a casa depois de perder a trilha do maldito Lobo. Na panela só tinha mingau, mas comeu com grandes colheradas. Acabou e se serviu de um segundo. Depois, um terceiro. Quando acabou, sobrou pouca coisa no fundo da panela. Se levantou e resolveu olhar melhor o lugar. No quarto, três camas, duas imensas e uma menor, onde também podia se ajeitar. Fora isso, só a mesa da cozinha e três cadeiras. Três pratos, três jogos de talheres e três guardanapos bordados: M., P. e F. Uma lareira e, diante dela, um tapete de pele e almofadas empilhadas. Carregou a espingarda até o tapete e se deitou de frente para a porta.

Quase dormindo, ouviu um rosnado. Um arranhar na madeira. Devagar, ainda sonolento, o caçador se sentou e engatilhou a espingarda. Um rugido fez o chão tremer quando a porta se abriu, e ele fez a mira. Viu olhos grandes e amarelos avançando na sua direção. O hálito podre da sombra gigante o deixou enjoado. Por trás, outro par de olhos iguais surgiu. Um terceiro par de olhos amarelados estava quase em cima dele, só então percebeu. Elias gritou e começou a atirar.
Acendeu um cigarro. Olhou os corpos e não segurou o palavrão. Eram ursos.

"Porra, devia ter prestado atenção nos detalhes", pensou. A casa na floresta, o mingau, três camas, três pratos... três ursos. Podia dizer para si mesmo: quando ouviu o rosnado, achou que estava no esconderijo do Lobo Mau. O seguiu por dias na floresta até perder-lhe rastro. O Lobo foi visto andando pelo Caminho da Floresta. Podia atacar alguém, já tinha tentado fazer antes. Os pais e mães e avôs e avós o chamaram. O receberam com o melhor vinho e um banquete. Houve uma festa e todos se embebedaram. Então imploraram: Precisamos que o senhor mate o Lobo Mau.

Os corpos no assoalho não eram de lobos. Eram de Papai, Mamãe e o Filhote urso, um tiro na cabeça de cada um. O caçador reconheceu a família. Todo mundo na floresta conhece os três ursos.
Alguém iria acreditar que foi um acidente? Entrou em pânico. Lembrou de Tibúrcio, seu primo, decapitado quando a rainha descobriu que ele não teve coragem de matar a jovem Branca de Neve. Da prima, Andréia, a Bruxa, seu corpo gordo e desproporcional perdendo a vida em um precipício anos depois de ter ficado com ciúmes de não ser chamada para o batizado da princesa, sobre quem lançou uma maldição.

"Não comigo", disse em voz alta. "É preciso eliminar evidências". Voltou para a mesa e recomeçou as colheradas de mingau frio, olhando tranqüilamente para os corpos e se perguntando onde uma pá poderia estar guardada na casa.

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