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   TAILOR DINIZ
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O Bonifácio e o xeque-mate

Sexta, 26 de abril de 2002


Ela passava pontualmente pela janela do Bonifácio um dia sim, outro não, sempre na mesma hora.

Ele, por sua vez, passava pela janela do Bonifácio um dia não, outro sim, também pontualmente, na mesma hora. Ou seja: ele passava na mesma hora em que ela passava, só que em dias alternados.

Ela vinha sempre da esquerda para a direita, no sentido bairro-centro, e ele da direita para a esquerda, no sentido centro-bairro. Dessa forma, diariamente, sempre no mesmo horário, em frente da mesma janela, a janela do Bonifácio, eles foram se desencontrando infinitamente durante meses e anos a fio.

O divisor de águas na vida do Bonifácio eram os dois, ele e ela, e seus sucessivos desencontros. Bonifácio dividia seus dias em antes e depois da hora em que eles por ali passavam, ele um num dia, ela no outro.

Desde o primeiro desencontro dos dois em frente à janela do Bonifácio se passaram nada mais nada menos que dez implacáveis anos. Implacáveis, diga-se de passagem, para Bonifácio, porque para eles, os dois, que eram jovens, dez anos a mais ou dez anos a menos não fazia muita diferença.

Ela, sempre que por ali passou desde a primeira vez, jamais dispensou um cumprimento alegre e gentil ao Bonifácio, como se fossem velhos e conhecidos amigos. O que, para falar a verdade, não deixavam de ser. Dez anos, um dia sim outro não, no mesmo lugar e hora, é uma freqüência que nem mesmo os mais devotados amigos suportariam.

Com ele ocorria a mesma coisa, nos dias em que ela não passava. Jamais ele se furtou a um cumprimento alegre e gentil a Bonifácio, primeiro indício de que os dois, ele e ela, poderiam ter muita coisa em comum e infinitas gentilezas para compartilhar.

A observação de que poderiam ter nascido um para o outro foi o primeiro comentário sobre os dois que o Bonifácio fez diante dos olhos ariscos da dona Neuzinha, a empregada, com quem jogava uma partida de xadrez, todas as tardes, depois que ele e ela se desencontravam em frente à sua janela.

A dona Neuzinha só fazia um movimento com a cabeça, concordando, e seguia o jogo sem levantar os olhos, concentrada na posição das peças sobre o tabuleiro de madeira. À medida em que o tempo passava e os desencontros se sucediam, o Bonifácio ia fazendo projeções sobre a vida dos dois, se algum dia, por caso, levados por um motivo banal a rotina se quebrasse e eles viessem a se encontrar em frente à sua janela.

"Poderiam ter muitos filhos, são jovens, são bonitos", dizia ele para a dona Neuzinha, enquanto avançava um bispo no tabuleiro.

"É...", concordava a dona Neuzinha, comendo o bispo que Bonifácio acabava de movimentar.

No dia seguinte era a mesma coisa. O Bonifácio cumprimentava um dos dois e, a seguir, com a vista já cansada, via-o desaparecer atrás do fícus ao lado de sua janela, ainda pequeno quando eles ali começaram a se desencontrar.

"Parece que nasceram um para o outro", repetia enquanto movimentava uma torre.

"É...", concordava a dona Neuzinha, detonando a torre do Bonifácio.

E assim corria a vida para eles: os dois se desencontrando na frente da janela, o Bonifácio fazendo projeções sobre a vida deles, caso algum dia conseguissem, pelo menos uma única vez,
enganar a crueldade do destino.

Resumindo a história, Bonifácio morreu na semana passada sem ver realizado o maior e mais cultuado sonho de toda a sua vida: aplicar um xeque-mate na dona Neuzinha.

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