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DANIEL GALERA
daniel.galera@terra.com.br
Matias e a sacola
Terça, 30 de abril de 2002, 15h38
Matias acordou nu, suando como um porco. Se contorceu na cama de casal, tentando se livrar do lençol enroscado nas pernas. Sentiu cheiro de álcool, de Marlboro e de perfume doce enquanto procurava situar-se no tempo e no espaço. Girou o pescoço e leu uma da tarde no pequeno despertador quadrado de camelô. Elevou o tronco, ativando uma dor de cabeça esmagadora. Esfregou os olhos e chutou alguma coisa de vidro ao colocar os pés no chão. Dois copos de cristal e duas garrafas de vinho estavam ao pé de cama, uma delas ainda com um restinho de bebida no interior. A meio caminho entre a cama e a porta aberta do quarto, uma calcinha rosa, enroladinha. Matias fechou os olhos e deu uma risada satisfeita, largando o corpo de volta sobre a cama. Bateu a cabeça em um objeto duro, que agarrou com as duas mãos e elevou acima da cabeça. Era um embrulho de presente, cúbico, pequeno. Tinha um envelopinho preso na fita, e dentro dele um bilhete escrito Ho-ho-ho, com um beijo carimbado de batom vermelhíssimo embaixo. Safada, disse Matias, e riu de novo, com mais vontade. Arrancou o papel e abriu a caixa. Era uma garrafinha de metal, daquelas de carregar bebida, cromada. Uma beleza. Ele queria uma daquelas há muito tempo. Ficou em pé e abriu a janela, só pra confirmar que lá fora estava tão quente e abafado quanto dentro. Juntou a calcinha do chão, de algodão com rendinhas e um top na frente. Colocou na cabeça, deu uma fungada sorridente e foi ao banheiro. Esvaziou os intestinos. Vinho. Ouviu os veículos cruzando ruas do bairro. Voltou pro quarto, e alguma coisa quebrou sua sensação de bem-estar. Pode ter sido a embalagem de pizza vazia sobre uma cadeira. O ruim de não possuir telefone é não poder nunca ter certeza se alguém ligaria. Mas, decidido a aproveitar o feriado com um espírito alegre, ligou o rádio numa FM e, cantando junto com o Roberto Carlos, começou a arrumar o apartamento. Limpou cinzeiros, trocou o lençol, desceu o lixo para a rua. Guardou a calcinha, os cálices de cristal, o batom e o perfume de volta na sacola. Matias ia colocá-la em cima do armário, mas mudou de idéia e decidiu guardar na gaveta de baixo, para ficar mais à mão. Ia precisar dela em breve, no Ano Novo.
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