Ontem ele apertou os olhos com a claridade. Ficou indeciso entre levantar e fechar a janela ou esconder a cabeça com o cobertor e dormir mais. Quando se resolveu, sentou na cama e sentiu as pernas dormentes. Os músculos responderam com pontadas de dor ao se levantar e arrastar os chinelos até o banheiro. Antes de escovar os dentes, apanhou na gaveta do armário o batom de Luísa. Esfregou com força a massa vermelha no espelho, fazendo-a se esfarelar. Escreveu:
Solitário nunca mais.
Chegou atrasado. No fundo do escritório, o chefe o viu tentando se esgueirar até a mesa sem chamar atenção.
Luísa. Um rosto cinzento na memória. "Engraçado", pensou, "como os rostos vão sumindo aos poucos". O que lembrava de Luísa? Os cabelos louros, certamente. Os seios pequenos, que cabiam com folga em sua mãos. Mas os olhos eram castanhos ou verdes ou castanho-esverdeados?
"Precisamos fazer sua avaliação de desempenho", o chefe anunciou. "Não pode passar de hoje".
Na gaveta, o chefe folheou uma pilha de papel. Depois perguntou: Quais seus projetos ou realizações recentes? Enquanto respondia, ele sentiu as costas doerem. O médico disse que é por causa da mesa ser baixa demais. Dez horas por dia curvado, calculando metas, prazos, custos e variáveis. O chefe balançou a cabeça e fez os óculos se pendurarem na ponta do nariz ao dizer: "Foram criadas novas tarefas. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, uma para cada dia". Só quando terminou ajeitou os óculos de volta.
Comeu qualquer coisa na rua ao sair e voltou correndo para casa. No resto do dia, fingiu que trabalhava. Debruçado no computador, repetiu na tela brilhante a mesma frase, uma duas, dez, centenas de vezes.
Solitário nunca mais.
No caminho, parou numa farmácia e comprou o que precisava. Prometeu ao chefe adiantar um relatório, mas a dor nas costas estava mais forte. Nem ligou o computador.
"Você precisa arrumar a sua vida". A mãe no telefone. "Escuta, Ricardo, já faz um ano que a Luísa te largou. Já devia ter dado a volta por cima. Você já tem quase trinta".
Desligou e foi até o armário. No meio de suas poucas roupas, o vestido vermelho, a única lembrança de Luísa.
A mãe de novo no telefone: "A Márcia tem uma filha que também se separou no ano passado. Quem sabe vocês se ajeitam".
Antes de desligar, prometeu aparecer para o almoço de domingo. Abriu a sacola da farmácia e apanhou os potes de maquiagem. Espalhou o brilho sob os olhos, uma camada vermelho-sangue de batom nos lábios. Satisfeito, sorriu e limpou, com um lenço de papel, o excesso de pó-de-arroz. Então tirou a roupa e colocou o vestido.
Abriu o jornal e escolheu um anúncio no balcão sentimental dos classificados. Discou o número. Do outro lado, uma voz de homem. Um sorriso de felicidade, uma lágrima manchando a maquiagem recém-colocada, ele se deitou, fechou os olhos e sussurrou:
"Luísa, muito prazer".
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