Naquele dia o Obê havia preparado todo o esquema nos mínimos detalhes. Ele andava injuriado com o alinhamento planetário do Sistema Solar que, nas últimas semanas, em nada vinha lhe favorecendo na hora de acertar os ponteiros com a Lenita, a quem ele chamava de minha irretocável petição sexual. Era um desencontro atrás do outro,
por isso o esmero em preparar bem o esquema naquele dia. A Lenita era casada e o marido, não se sabe porque cargas d’água, começou a marcá-la de cima de uma hora para outra.O Obê, um advogado de reconhecida competência, não havia dia da semana em que não estivesse, no meio da tarde, envolvido com um caso notório de execução sexual no Tribunal de Pequenas Causas da Estação Mercado, que vinha ser um modesto, mas conveniente, motel que existia
ali nas proximidades do escritório do qual ele era dono. Explica-se aí, portanto, o um tanto estranho ou exótico apelido de Obê.
Depois de algum tempo de tentativas frustradas, numa sexta-feira de manhã, tocou o celular dele e era a Lenita:
"Um dia a lagoa seca, jacaré!", foi o comentário que ele fez ao ouvir a informação de que o marido dela precisou viajar a serviço ao interior do Estado e só voltaria na tarde de sábado.
Ato contínuo, O Obê ligou para casa e disse pra mulher que não o esperasse para o jantar. Tinha que preparar uma petição com urgência urgentíssima, coisa complicada que iria lhe exigir muitas consultas sobre jurisprudência e reuniões com o próprio cliente que, aliás, já
estava no escritório esperando por ele. E pediu que só o
interrompesse em caso realmente sério.
Depois encomendou flores, deixou duas champanhas no gelo, mandou o boy comprar caviar e pão torrado, morangos frescos e chocolate em calda e combinou com o sócio de que estava em reunião e que ninguém o interrompesse de forma alguma. Mesmo que fosse sua mulher, não devia se render. Se ela fosse muito insistente, coisa grave, deixou o telefone da Lenita e pediu que ele apenas o avisasse, ele daria um
jeito depois.
Enquanto ele se acomodava no banco de trás e o motorista fechava a porta tocou o celular e era a Lenita, chorosa, reclamando que ele estava se demorando muito, coisa e tal, fenecia de saudades, daquele jeito ela ia ficar zangadinha, não ia fazer as coisinhas que ele gostava, enfim, ela estava dodói com a demora dele. O Obê, por sua vez, começou a consolá-la do lado de cá, tenha paciência minha bruxinha adorada, o mundo não foi feito em apenas um dia, ele também
morria de saudades, ela podia acreditar, além do mais a culpa não era dele, era dela (aí o Obê aproveitou para se queixar um pouco), pois quem não andava com tempo disponível para ao amor era ela por causa do bronco do marido que não a largava nem pra ir ao banheiro sozinha.
É preciso dizer que foi em meio ao calor desse diálogo, de bruxinha adorada pra cá, bruxinha adorada pra lá, que o motorista perguntou alguma coisa ao Obê e ele, distraído em consolar sua irretocável petição sexual, apenas fez um sinal de positivo com o polegar. É imprescindível também dizer que o motorista era novo e ainda não conhecia todos os escaninhos secretos da vida do Obê nas suas andanças pelos tribunais da vida. E tocou em frente.
Eles conversavam, um mais meloso que o outro, o Obê esticado no banco, a gravata solta, paletó no chão, sem sapatos e a camisa desabotoada. Naturalmente que aquilo tudo, pelo calor da conversa que aumentava a cada esquina, de reclamações mútuas e lamúrias contínuas, já era uma parte das preliminares para uma grande noitada de amor.
Enquanto isso, o carro rodava célere pela cidade entardecida, até que o motorista parou, desceu e abriu a porta para o Obê descer. Vendo que o chefe não parava de conversar, aquela excitação toda ao telefone, ele caminhou até o porta-malas, pegou as garrafas, as flores, tudo, e abriu a porta para ele descer.
"Data vênia, doutor!", disse o motorista, respeitoso e solícito, olhando para a mulher do Obê que molhava as flores do jardim no lado da garagem. "Entrego as compras pra sua patroa ou o senhor mesmo leva?"
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