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    EMILIANO URBIM
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Juventude

Segunda, 20 de maio de 2002, 14h53



Não sei quem era. Ontem antes de dormir tinha certeza que era Celly Campello quem no final dos anos 50 cantava: "nós somos jovens, jovens, jovens / somos do exército, do exército do surf". Pode ser também o segundo ou terceiro sucesso da Wanderléia. O importante é que é do tempo em que "jovens", "exército" e "surf" conviviam tranquilamente em um refrão e ninguém achava estranho, pelo contrário, cantava junto.

Na pista de dança, música eletrônica na maioria das vezes não tem letra, então não dá para cantar junto. É um ambiente jovem, bélico, e dependendo do seu estado de consciência, de surf. "Ah, pronto, agora ele vai falar de ecstasy", pensaria o leitor mais antenado na previsibilidade do meu texto.

Semana passada Porto Alegre teve sua primeira notória vítima de ecstasy, uma guria de 23 anos que veio a falecer sem nem chegar na festa em que planejava ir. Os "jovens" (pela idade ou pela atitude) com quem falei nessa semana tiveram basicamente duas reações: 1) "Bah, que merda." ou 2) "Rateou, rateou, não sabe nem se drogar direito." Perplexidade ou pragmatismo. Ao contrário da imprensa, que bradou aos quatro ventos a chegada de mais um dos cavaleiros do apocalipse. É uma guerra lá fora.

Ontem de noite, voltando para casa, mais novidades do front. Vinha de táxi de madrugada (não sem antes fazer uma parada estratégica na casa dos meus pais para pegar dinheiro porque eu perdi a hora do caixa eletrônico) e no rádio falavam dos tumultos após o jogo Juventude x Inter, válido pelo Supergauchão, que de súper só tem as arquibancadas superiores do Beira-Rio, estádio o Inter. O motora era um tiozinho que passava mexendo a boca o tempo inteiro, e falou pela primeira vez nessa hora, cada frase um silêncio.

"Morreu um guri. Vinte anos. Decepado. Bomba caseira. Um brigadiano perdeu a mão." Mais adiante, ao saber que não podia entrar na minha rua diretamente, porque é contramão, largou: "A engenharia moderna é fumeta."

Tenho 23, "que nem a guria que morreu", lembrou minha mãe. ("Será que ela não era da tua turma?" "Sim mãe, todo mundo que tem 23 anda junto, a prefeitura inclusive organiza frotas de ônibus, eles andam de 12 em 12, um para cada mês, parece que o de outubro é o mais animado.") Quando tinha 20, que nem o guri que morreu, ia sempre torcer pelo Grêmio na arquibancada, na geral, um pouco pelo ingresso mais barato e muito porquê é lá que se grita, se chora, se senta e se levanta. É onde ficam as torcidas organizadas: a Garra, a Raça e a Jovem. Exércitos. Hoje, quando eu vou, vou de cadeira. No Olímpico, estádio do Grêmio, elas perfazem todo o anel superior. Vejo melhor, mais seguro, as brigas são raras, saio sem empurra-empurra.

Fiquei velho, véio? Minha prima de 12 (faz 13 dia 9 de junho, cada vez que eu vejo tem mais um brinco na orelha) acha que sim. No aniversário da nossa vó a gente ficou um tempo vendo MTV, ela sabia os clips de cor, eu nem conhecia as músicas. Eu não estou falando de Dragon Ball, estou falando da minha MTV!, MTV que no início dos 90 pegou no colo, me jogou no solo e me chamou de amor. Agora é da minha prima. Será que ela vai tomar ecstasy? Em 2012, ela vai ter 23. Se ainda existir inverno ela pode estar em Gramado, se ainda existir foundue, ela dorme de barriga cheia e não toma.

Se ainda existir imprensa (tomara que sim, ou eu vou ficar inempregável com 33), vai continuar saindo em tudo que é lugar "como saber se o seu filho usa drogas", com sintomas como "mudança de humor, rebeldia, cansaço, sono fora de hora, comportamento agressivo, períodos de solidão". Imbecil, isso. Passei metade da minha adolescência assim, e não era droga nenhuma, era saco cheio.

Saco cheio meu, seu e do Romeu. Romeu e Julieta, de William Shakespeare, cena 1, o velho Montéquio falando para Benvolio, primo do Romeu (tradução porca minha, depois tem no original: "Para longe da luz apressa-se meu filho entristecido/ E sozinho em seu quarto ele se isola/ Fecha suas janelas/ Deixa a clara luz do dia para fora/ E faz para si uma noite artifical/ Negro e ameaçador esse humor será/ A não ser que um bom conselho remova a sua causa". ("Away from the light steals home my heavy son / And private in his chamber pens himself / Shuts up his windows, locks far daylight out / And makes himself an artificial night / Black and portentous must this humour prove / Unless good counsel may the cause remove.")

Conselhos aos jovens. Esses moços, pobres moços. O exército do surf.

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