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ALEXANDRE RODRIGUES
alex.rod@terra.com.br
Dia dos namorados
Quinta, 23 de maio de 2002, 14h42
Na esquina, parou um carro. Antes que o sinal abrisse, o homem atravessou correndo a rua, quase bateu numa menina carregada de livros, correu mais, tropeçou, quase caiu e depois parou ao lado do carro. A mulher no volante viu seu rosto carregado, os olhos azuis cheios de fúria, a arma, o homem pulando para dentro, não faz nada, eu não quero te machucar, só continua dirigindo. Por mais que tentasse, ela não conseguiu conter o choro, merda de choro de mulher, por isso nos chamam de sexo frágil. De raiva e nervoso, arrancou um rangido da caixa de câmbio a cada troca de marcha. Ele disse: pode ficar tranqüila, não vou te machucar, já falei, é só fazer o que eu mandar e tudo fica bem, continua dirigindo, ali na frente você vai entrar à esquerda, e o carro entrou à esquerda, depois à direita e seguiu reto, as mãos dela escorregando do volante, suadas e trêmulas. Ele: pode parar ali na frente, na calçada, agora me dá a chave, vou ali mas tô te sacando, se tentar sair eu atiro, anotei a placa, vou atrás de você na tua porta. E o motor do carro morreu e ela viu o homem entrar na porta, girou a chave, o motor não pegou, sumiu pela porta de vidro, o ladrão, lá dentro, às suas costas, um nome no vidro, Floricultura Esperança, ela girando a chave desesperada, batendo no painel, ele saindo depois, sentando no banco e mandando: vamos embora. O motor pegou, ela arrancou com o carro, sentiu um alívio e pensou: de repente ele vai me deixar agora, não vai mesmo querer fazer nada, nem todo mundo é ruim nessa vida, então o ladrão disse, entra aqui e depois aqui e depois aqui. O carro soltou fumaça numa curva mal feita, um outro passou e o motorista gritou: vai cozinhar um feijão. O bandido riu e ela ficou puta e perguntou: tá rindo de quê, e ele: de nada. Pode parar agora. Desceu, entrou em outra loja, Joalheria Divina, lá vem ele de volta, enfiando uma caixa no bolso, pisa firme que eles têm alarme, o carro saindo de novo, dois homens correndo para a calçada, já longe, ela se preocupou: será que anotaram a placa? Então o motor engasgou, voltou a funcionar, engasgou, voltou a funcionar, até que parou. O ladrão perguntou : e agora? E agora o quê? O que eu faço contigo? Você entende de motor? Não? Então precisa de outro carro. Sai e vem comigo. Mas por que? Pra continuar dirigindo. Os dois foram até um sinal e ele apontou o revólver para o motorista gordo, que demorou a sair e quase entalou na porta do Corcel II. Ela pegou de novo o volante e ele mandou de novo parar, desceu e entrou no restaurante , voltou com embrulhos e sacolas, agora pisa tudo no acelerador, os dois correndo por mais ruas e ruas até que ele disse: preciso de um lugar, onde você mora?, por que?, vamos para lá, mas você prometeu, prometi nada. O carro parado na garagem, o apartamento precisando de faxina, latas de coca-cola, papéis e disquetes no chão, o quadro torto que ela sempre se prometeu arrumar e agora com vergonha de um ladrão, veja só! Ele a amarrou no quarto, vendou seus olhos, deixou-a sozinha na cama. Ela pensando: esse filho da puta vai querer me comer, estuprador safado, covarde, queria que morresse. Logo ela, que tem medo do escuro, ali amarrada, esperando o pior. Sentiu um arrepio com o vento, a porta se abriu, ele entrou no quarto, a pegou e levou pelo braço, tropeçando nos próprios pés pelo corredor, e depois tirou a venda, a mesa arrumada, arroz com brócolis, bacalhau a gomes de sá, lula à doré, peixe à brasileira, então, gostou?, o que significa isso?, um jantar, mas que jantar?, do dia dos namorados, é hoje, eu não tenho namorada, você tem?, não, então senta e come, está gostoso, mas primeiro toma essas flores que eu peguei naquela loja, e então, gostou?, são lindas, eu nunca dei flores, nunca tive um jantar do dia dos namorados, é a primeira vez, ah, tem mais uma coisa: toma, o que é isso?, da joalheria, vê se gosta, é lindo mas não posso ficar, por que?, é roubado, sou eu que tô te dando, ninguém vai saber, nem se for preso, eu juro, ficou lindo, obrigado. é um prazer, agora vou te soltar, está bom, quer um pouco de vinho do restaurante?, me disseram que é bom, os dois riram com a frase dele, o bacalhau salgado demais, mas a lula e o peixe estavam bons. então ele bebeu outro copo, pôs um CD e disse: tenho que ir agora, ela abriu a porta, obrigado pelo jantar e os presentes, foi um prazer, então tchau, ainda são nove da noite, feliz resto do dia dos namorados pra você também e cuidado quando dirigir nesse trânsito aí fora porque a vida está cada dia mais perigosa.
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