O Reginaldo entrou no Bar e foi direto à parte dos fundos, onde se reuniam os amigos, todos os finais de tarde. Pediu uma ceva gelada, a mais gelada que tivesse, e se jogou numa cadeira, como se seu corpo fosse não mais que um imenso e pesado fardo de estiva. O olhar absorto e distante, parecia por demais abatido e um pouco sem forças até para caminhar. Foi assim que ele decidiu convocar uma reunião do Conselho. Entre eles, amigos de fé e de longa data, era assim. Sempre que alguém tinha um problema sério, de difícil solução, colocava-o na mesa para que, sobre ela e em torno dela, fossem feitas todas as ponderações e análises possíveis, sob todos os ângulos, até que uma solução fosse encontrada.
O Reginaldo começou dizendo que tinha um amigo. Todos se olharam, um tanto intrigados. Fato notório, não chegava a ser novidade que o Reginaldo tivesse um amigo. Depois o Reginaldo disse que esse amigo estava com um problema sério. Aí ele pensou um pouco e reiterou que seu amigo, esse que estava com um problema, andava desconfiado da mulher. Até aí também nenhuma novidade.
Mas, pela cara do Reginaldo, a história parecia boa. Ele tomou mais um gole de cerveja, fez uma careta, e continuou, o olhar ainda perdido na dureza da parede de tijolo a vista.
"Acontece que a mulher desse meu amigo...", ele disse, "sempre foi uma natureba ortodoxa, xiita mesmo".
"Aí começou a gostar de carne de uma hora pra outra?", atalhou o Olegário, o mais afoito de todos.
O Reginaldo perdeu novamente o olhar na superfície irregular da parede:
"Antes fosse...", explicou. "Natureba no sentido de que não se depilava... Nunca... Em lugar nenhum".
O olhar no entorno do Reginaldo era de irreversível e total espanto.
"O sovaco, as pernas, tudo natural, desde que nasceu...", acrescentou ele, fazendo uma pausa para um gole de cerveja.
Uma agulha poderia cair no outro lago da rua, naquele momento, que o silêncio que pairava entre eles se encarregaria de denunciar o transcendental acontecimento.
"O púbis sempre foi uma fartura imensa, uma maçaroca só..."
Mais um pouco e o Reginaldo chorava.
"Agora, ontem, para ser mais preciso, ela apareceu em casa quase sem nada... lisinha, um punhadinho na ponta e só, gente!. E sabem qual foi a desculpa que ela deu pro meu amigo?"
"Não!!!", responderam todos ao mesmo tempo.
"Que a depiladora se perdeu na cera..."
"Cretina!!!", gritaram todos juntos.
"Aquilo ficou ridículo, gente!", gritou o Reginaldo, indignado, quase aos prantos. "Ficou parecendo o bigodinho do Hitler!"
Foi aí que o Olegário subiu numa cadeira e gritou:
"Protesto! Entendo o problema do vosso amigo, caro Reginaldo! Mas me permita dizer que, na minha modesta opinião, todos aqueles púbis depilados com tanta dor e dedicação, com tanto sacrifício e lágrimas derramadas, baluartes que são da beleza e da sensualidade da mulher brasileira, não merecem comparação tão odiosa e sem propósito. Não me importa o que tenha feito a mulher do teu amigo com sua basta cabeleira pubiana. Que repartisse no lado, passasse gel, fizesse permanente, tingisse de acaju, adotasse o estilo rastafari, o escambau. Mas você, por favor, não meta a cara do pilantra do Hitler em lugar tão distinto!"
O Reginaldo fez que não ouviu e tomou mais um gole de cerveja:
"Será que tem alguma coisa por trás dessa mudança repentina de hábitos, gente?"
"Sinto muito, Reginaldo", respondeu o Olegário. "Mas deve ter sido pra agradar a alguém..."
Ninguém mais abriu a boca por um longo tempo e baixou sobre eles um clima de consternação como se alguém da turma tivesse morrido. O clima ainda ficou mais de velório quando o Gamboa, querendo descontrair um pouco o ambiente, bateu no ombro do Reginaldo e disse, soltando em seguida uma gargalhada meio forçada:
"Ainda bem que isso aconteceu com o teu amigo, né Reginaldo?"
O Reginaldo disse "é" e um silêncio mortal caiu sobre eles, até que o grupo foi se dispersando aos poucos, cada um mais taciturno que o outro, todos solidários com a tragédia do amigo do Reginaldo.
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