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    MARIANA DIEHL BANDARRA
mariana.bandarra@terra.com.br

A namoradinha do papai

Sexta, 31 de maio de 2002, 11h35



Aos sete anos toda menina sabe quem é o grande homem da sua vida. Papai chegava no portão correndo de braços abertos, imitando um avião para me encontrar, me apertava. Meus pés saíam do chão e ele me rodopiava, às vezes bem rápido. Aí então eu ficava tonta e ele me colocava de volta no chão. Quando eu estava doente ele chegava batendo os sapatos pesados e perguntava:

– Cadê a namoradinha do papai?

Daquele tempo, lembro também dos gritos de mamãe. De vez em quando, ela gritava tanto que papai ia embora. Um dia papai se irritou e foi embora pra sempre.

Durante a noite eu ouvia a voz de minha mãe dormindo. Ela gritava enquanto dormia. Eu tapava a cabeça com uma coberta e esperava tudo ficar quieto de novo.

Nunca perdoei totalmente a mulher malvada que mandara meu namorado embora. Eu não podia sequer pensar no assunto sem ranger os dentes de raiva, então resolvi não pensar mais. O perdão era inconcebível como uma chaga de cristo numa criança como eu. A única forma de remissão era a volta de meu pai.

Muitos anos depois de minha mãe morta, eu à beira dos trinta, três casamentos arruinados e um aquário de lindos peixinhos, vivo sozinha. Mas ontem à tarde no shopping eu o vi. Está mais velho, meio corcunda, mas ainda é bonito. Ao seu lado uma senhora. Fiquei observando discretamente, como quem olha uma vitrine e calcula mentalmente o orçamento do mês, eu acompanhei sua travessia pelos corredores fluorescentes.

Dobrei na praça de alimentação e pedi um refrigerante, sempre mantendo distância. Os dois andavam juntos, com aquele conforto que só os casais velhos tem. Entrei na lanchonete atrás deles, sentei-me duas mesas atrás e pedi um cardápio.

– Está ali, moça – o rapaz de bonezinho apontou para um grande quadro na parede.

Enquanto examinava o grande cardápio na parede, tentei pensar no que dizer, como me aproximar. Com certeza um simples olhar seria o suficiente para que lembrasse e me abraçasse com aquele abraço de avião. Claro que hoje em dia é mais difícil me rodopiar, mas isso era apenas um detalhe. Porém num instante foi como se o volume de tudo se abaixasse, uma menina de aproximadamente quinze anos trazendo pela mão a irmãzinha aproximou-se da mesa. As duas eram visívelmente irmãs - os cabelos ruivos e sardas no nariz. Papai se levantou de sua cadeira.

– Cadê a namoradinha do papai? – a menina mais nova riu com dois dentes faltando.

A senhora na mesa perguntou à mais velha sobre o filme, esta perguntou se os dois estavam esperando há tempo. As respostas se davam com sinais de cabeça. Papai levantou a menorzinha no colo, e lhe fazia cócegas. Apanhei um guardanapo e saí discretamente, nauseada. No caminho comprei, no ímpeto, um tubo de tintura ruiva para cabelos.

Mas esta noite tive medo. Como que vindo do quarto ao lado, aquela risada me perseguiu. Quase pude ver sob o cobertor aqueles olhinhos cheios de molecagem e malícia. E a gargalhada cheia de certeza que só as meninas de sete anos podem ter.

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