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    EMILIANO URBIM
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Dia dos numerados

Quarta, 12 de junho de 2002, 11h20



Hoje, quarta, era meia-noite e pouco e eu ainda trabalhava. Mais raiva do que trabalhar até essa hora é a raiva de saber que você só está ali porque largou tudo o que estava fazendo para ver o Big Brother. O molho especial do Big Mac é que eu ainda não havia enviado a coluna para o Terra, nem de namorados, nem de desquitados, nem de Paula nenhuma (1). Mas aí eu peguei um táxi para casa e de repente do pranto fez-se o riso.

O motorista se chamava Jorel, como o pai do Super-Homem e, depois de reclamar do frio, disse que a namorada estava insistindo para ver o jogo da seleção em um bar com telão. E ele tentando desconversar ela, dizendo que "tudo bem, a gente até passa lá no bar mais cedo, faz aquele auê todo, mas o jogo a gente assiste a dois, num motel, hein, seu jornalista?, num motel ali na Azenha que eu conheço. Depois, dependendo de como a seleção for, a gente comemora os gols no nosso segundo tempo". E ria o Jorel.

Eu ria também, e disse que esse problema eu não tinha. Esse ano, como sempre, estou sozinho. Mas o Jorel não estava nem um pouco interessado em saber das minhas mazelas (nem eu, na verdade), e emendou dizendo que o problema ia ser em casa. Entre a sua noite de cerveja, futebol e sexo estava a patroa, a esposa, a mãe de seus filhos, a primeira namorada. "E aí a coisa encrenca", lembrava ele, "que desculpa vou dar para sumir na noite do dia dos namorados? É, vou ter que me explicar com a namorada. Até porque namorada passa, né? Uma vez eu tive uma que me aprontou bonito."

Jorel parou de falar. Eu olhava o taxímetro e esperava a história continuar, queria saber o que a namorada havia feito para ele, mas nada do homem falar. Tentei o que tinha funcionado antes, falar da minha vida: "Pois eu também não dou sorte com namorada, sabe..." "Me aprontou bonito aquela lá. Mas aí eu dei uma volta nela que a bandida ficou com a cara no chão."

Uns anos atrás, conta ele, também pela época do dia dos namorados, sua mulher ia parir o terceiro filho. Gravidez de risco, tinha de ser cesariana. Depois de muito insistir, o casal conseguiu que os médicos aproveitassem o parto e ligassem as trompas da mãe. Na cabeça deles, a garantia de um futuro melhor.

"Foi aí que umazinha com quem eu tive um troço resolveu me aprontar. Ano passado, bem pela época do dia dos namorados, ela me trouxe um envelope na mão. Aí eu pensei, né? Que que essa mulher tá me dando, um cartão, um cheque, dinheiro, eu estava achando aquilo tudo muito estranho. Abri e vi que era um exame de gravidez, dizendo positivo. Ela dizendo que eu era o pai, e eu dizendo que não, tá maluca, não tem como. E ela me chamando de viado, querendo pensão, querendo alguma coisa, só que não tinha como eu ser o pai. Ela me levou para conhecer a família dela - que sabia que eu era casado e tudo. Veio o pai dela, quase da minha idade, me apertar. Mas aí eu que tinha um envelope no bolso... o senhor tinha dito Avenida Guilherme Alves, né?"

"Disse, disse, mas eu queria dizer Protásio Alves. Tudo em família. E a empresa é quem paga!" Precisava ouvir o final da história.

"Bom, mas aí eu mostrei o envelope para o pai dela e disse o senhor abra por favor. Ele abriu, leu, foi até a guria, deu uns tapa nela, me pediu desculpa e me acompanhou até a porta. Era o certificado de que eu havia feito vasectomia, na mesma época em que a minha mulher ligou as trompas, para garantir. E a guria essa agindo de ma fé. Nunca mais quis nada, né?"

Resolvi me lembrar que era Guilherme Alves mesmo, o que ainda deu tempo para Jorel tomar a resolução de dispensar a amante pelo menos por uma noite e ver o jogo com a esposa. "Dezessete anos de casado, se chegar fedendo a puta periga estar minhas coisas na rua, né, seu jornalista?"

Feliz Dia dos Namorados, Jorel.

(1) Que Paula? Ah, caiu direitinho.

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