(As peripécias de Crumbo Parsifal em sua Peregrinação Jubilar, parte 4)Peter Piot saiu apressado através da porta azul. Isso só acontece quando sua facção dos Illuminati vai fazer uma aparição pública, Engonga me cochicha. Continuo mastigando minhas cascas de yohimbe enquanto meu único amigo entre os tutsis vai abrindo caminho pelo corredor. Não sei se todos os dias são assim, mas hoje a Central está movimentada. Todos têm sobrancelhas que deixam escapar preocupação com algum assunto que ignoro. Engonga abre a porta azul, mas não entra. Fico observando seu uniforme camuflado, que cai muito bem com a cor de sua pele. Mãos enormes segurando o cabo do facão. Ele nunca larga essa coisa. Vai lá, ele me diz, sorrindo. Mas volta rápido, certo? Eu digo Tudo bem, cara. Nem sei o que você quer que eu veja aí, mas sinceramente não me interessa muito. Só estou em Madagascar porque a merda do hidroavião que deveria me levar de Serra Leoa aos Emirados Árabes não quis levantar vôo. Não me importam os Illuminati, a África ou coisas que existem atrás de portas azuis. Mesmo assim, entro.
Mal coloco os pés dentro da sala e Engonga bate a porta. Escuto a chave girando na fechadura. Confiando que o negrão não está de sacanagem, dou uma conferida no lugar. É um escritório qualquer, com aquele ar bunda-mole de sempre. A única mobília é composta por uma escrivaninha velha e descascada, uma cadeira giratória de couro e um enorme arquivo de metal. Olho uns papéis timbrados que estão sobre a escrivaninha. Nada de mais. Gosto bastante desse logotipo com o olho no triângulo, mas o conteúdo é cheio do papo espertinho dessa gente, que só me dá vontade de largar um barro. Dou alguns passos até o arquivo. Abro a primeira gaveta, que faz um barulho da porra. Lá dentro, só encontro uma pasta verde, cheia de papéis. Por falta de algo melhor pra fazer, resolvo fuçar na papelada.
Sento na escrivaninha e quando olho para a frente dou de cara com algo que ainda não havia percebido. É uma composição de três painéis. São enormes. Desisto de tentar entender o porquê de não tê-los enxergados antes e resolvo prestar um pouco mais de atenção. Dois têm inscrições um pouco difíceis de ler a princípio, mas é só fechar o olho esquerdo que tudo fica claro. O primeiro painel diz:
PESSOAS PRESAS AO MUNDO DOS CONCEITOS OBJETIVOS NÃO DEVEM TRABALHAR NESTE LUGAR. AQUI NÃO SE AFIRMA NADA QUE NÃO POSSA SER CONTESTADO. IMAGINE, INCLUSIVE AFIRMA QUE NADA PODE SER AFIRMADO! HERESIA! AS PESSOAS DEVEM ESTAR ACIMA DOS CONCEITOS PARA REALMENTE ENTENDEREM O QUE SE PASSA AQUI.
O segundo painel é um enorme retrato de um sujeito ruivo de enormes bochechas, com um sorriso no meio da boca minúscula. Na parte inferior há um cartão com algumas palavras em árabe. Desisto de tentar entender e passo para o conteúdo do último painel:
PESSOAS PRESAS AO MUNDO DOS CONCEITOS SUBJETIVOS NÃO DEVEM TRABALHAR NESTE LUGAR. AQUI SE AFIRMA TUDO MUITO EXATAMENTE, INCLUSIVE COM UMA EXATA ESCOLHA DE PALAVRAS. NADA NESTE LUGAR PODE SER CONTESTADO. IMAGINE, INCLUSIVE AFIRMA QUE TUDO PODE SER AFIRMADO! HERESIA! OS CONCEITOS DEVEM ESTAR ACIMA DAS PESSOAS PARA ESTAREM INCLUIDOS NO QUE SE PASSA AQUI.
Hmm. Mais papo espertinho. Não sei como essa gente agüenta, mas enfim. Esqueço os painéis e abro a pasta verde. Mais papel timbrado. Dou uma olhada.
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| |konfidenzialite|
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| / \ DAS KEVORKIAN ILLUMINATI |
| /(0)\ eine Ya Kultus knz. |
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| p: Peter Piot, 23Kommand |
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| 12 de Beamtenherrschaft de 6000 A.L.Z|
| 12 de Burocracia de 3184 y.C.|
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| YA! |
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| Piotr, meu rapaz, Eles estão conseguindo. Sabe aquele |
| velho plano dos Cinzas [ref: UVO!UVO!mf.] para despovoar |
| a -frica de seus habitantes autóctones para depois en- |
| chê-la com seus lacaios? Pois é, está dando mais certo |
| do que imaginávamos. No começo, quando o vírus que Eles |
| criaram saiu de controle, a coisa até foi engraçada. De- |
| pois veio aquilo da porcaria do vírus virar uma epidemia |
| mundial, e a graça foi embora. Mesmo assim, achávamos |
| que era um preço justo a se pagar pela manutenção da e- |
| xistência do povo africano. Balela, meu rapaz. Balela. |
| O plano está funcionando. Tenho aqui números da moçada |
| de nosso setor estatístico, e de acordo com eles é ques- |
| tão de trinta anos para a virtual extinção de todos os |
| os povos africanos. Eu preferia não ter lido isso, mas |
| você sabe que não podemos brincar em serviço. Quando não |
| levamos a sério o plano dos Cinza-Amarelos de varrer os |
| tibetanos do mapa, pagamos o preço que você sabe. Isso |
| não pode acontecer de novo, meu rapaz. E desta vez es- |
| tamos falando de um CONTINENTE inteiro, e de estratégias |
| bem mais sutis. |
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| Corra para Botsuana assim que ler este Kommunikat. Já |
| arranjei uma reunião com um importante cientista dos |
| Anões de Genebra. Sim, eu sei, eu sei, mas os tempos são|
| duros, meu rapaz. Certas alianças PRECISAM ser feitas. |
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| discord-YA! |
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| Prof. Adenovir Malabares |
| 23KOMMAND HY-BRÉASIL |
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| EmTmp: Para amenizar sua viagem, uma boa notícia. Os |
| nossos rapazes em Albion conseguiram uma grande vitória |
| contra o plano dos Cinzas que pretendia exterminar as |
| formas femininas da face deste planeta. Agentes infil- |
| trados em agências de modelos e revistas de moda conse- |
| guiram reverter a programação imposta pelos Cinzas. É |
| questão de tempo para que cesse o emagrecimento progres-|
| sivo das fêmeas. Eu não disse que era uma boa idéia |
| aquilo de modificar o design dos carros para que tives- |
| sem formas mais arredondadas? Heh. Regozija-te, irmão! |
| YA! YA! YA! e um piparote no rabisteco. |
| svb rosa, a.'.m.'. |
| (frater chananin) |
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| /publix-c. |
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Caraca. Não sei, cara. Como pode? Essas coisas não fazem sentido. Bando de fumetas, é tudo que posso dizer. Assim que termino a leitura, ouço o barulho das chaves e antes que possa piscar o velho Engonga enfia seu rostão para dentro da sala e diz Vamoindo que teu guia árabe chegou e o helicóptero tá pronto pra sair. Levanto da cadeira e nem me preocupo em colocar a pasta de volta no arquivo.
Antes de sair da sala, dou uma última olhada para o retrato do ruivo gorducho. Ele está mostrando a língua.
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