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    ALEXANDRE RODRIGUES
alex.rod@terra.com.br

Confissão

Quinta, 27 de junho de 2002, 11h39



Choveu a noite toda quando vieram bater à porta. O policial se apresentou e depois falou sem dar direito a interrupções. Boa noite, a senhora é a mulher do Ezequiel? Ele tá no hospital desde hoje à tarde. Passou mal e caiu na rua.

O médico fez a mesma pergunta: a senhora é a mulher do Ezequiel? Indicou a enfermaria. Acrescentou:

Infelizmente ele está mal, foi um ataque do coração, mas a senhora pode ir lá. Ele está muito fraco, tentamos de tudo, mas acho que não temos muito o que fazer.

Na hora, achou Ezequiel normal. O marido, lembrou, não gosta de tomar sol. Não dá pra saber o que é palidez da doença e a palidez normal.

Quiel, sou eu.

Ezequiel abriu os olhos. Viu a mulher ao lado da cama e sorriu tão fraco que quase não deu para perceber. Nem a esperou dizer qualquer coisa e falou com a voz fraca:

Preciso contar uma coisa antes que seja tarde. Uma confissão.

Mas o médico mandou...

Ao diabo o médico. Presta atenção. Eu sempre te traí.

Como?

Te traí, Lurdinha. Com qualquer uma. Tuas amigas, tuas primas, mulheres que eu conheci na rua. A vizinhança toda passou na nossa cama. Sou um tarado, Lurdinha, um tarado.

Falava e chorava. Lurdinha o olhou, viu que o marido parecia ainda mais fraco.

Agora isso não tem importância, respondeu.

Pode não ter para você que é uma pessoa boa, mas não para mim, que sou um tarado. Quero confessar mais uma coisa: tenho um monte de filhos. Você nunca disse que o filho do Moacir não parece nada com ele? Sou eu o pai. Também do Rubinho, aquele que nasceu anão na casa do Doutor Santiago. Sabe aquele filho que a tua irmã perdeu? Também era meu.

Não sei o que dizer.

Não diz nada. Você não precisa dizer nada. Sou um crápula. Fui um crápula a vida inteira, mas se puder (Lurdinha sentiu as mãos ásperas e calejadas de uma vida inteira de trabalho duro nas suas), quero o teu perdão, Lurdinha.

Do lado de fora do quarto, as horas passaram sem deixar sinal. Lurdinha ficou em silêncio, afundada em um banco e lembrando da confissão de Ezequiel. Não sinto raiva, o mais impressionante, se surpreendeu. Lembrou da confissão: parece que não foi comigo.

Despertou dos pensamentos com a enfermeira lhe sacudindo o braço, um sorriso no rosto. Morreu, pensou, mas por que diabos ela está sorrindo? Já não basta a nossa desgraça?

Um milagre. Ele está reagindo, a enfermeira disse. O médico não consegue entender, falou que deve ser a força de vontade do seu Ezequiel que está agindo, fazendo ele melhorar.

A enfermeira terminou de falar e voltou em direção à recepção. Lurdinha verificou o relógio, uma da manhã, e o corredor vazio. Entrou no quarto e olhou o marido, inconsciente, um nada de cor aparecendo ao rosto eternamente pálido. O médico, disse a enfermeira, falou que é cedo para falar em alta, mas é melhor quando se recupera em casa. Teria que cuidar do marido, lavá-lo, ser como sua mãe, mesmo depois do que ouviu.

Sem tirar os olhos do marido, apanhou o travesseiro e, sem nenhuma alegria ou pena, apertou com força sobre seu rosto.

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