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    EMILIANO URBIM
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Fábula

Segunda, 15 de julho de 2002, 16h25



Era uma vez um reino em que tinha um castelo e nesse castelo vivia um príncipe e esse príncipe estava com dificuldades para escrever sua crônica semanal para um portal de internet. Nenhum duelo havia ocorrido em defesa de nenhuma honra; nenhum duque (ou barão ou visconde ou marquês) havia se insurgido contra o rei ou coisa assim; o bobo da corte andava meio tolo nos últimos tempos e nem o farfalhar dos vestidos das donzelas lhe instigava a menor faisca criativa.

Entediado, enfastiado e aborrecido, o herdeiro foi ter com o guarda que, obviamente, guardava seus aposentos.

"Guarda que obviamente guarda meus aposentos", disse o príncipe, já esperando a resposta protocolar:

"Sim, lorde?"

"Necessito de algo para escrever."

"De que necessitais, alteza? Pena, papel, tinta, velas?"

"Preciso de histórias, meu bom homem. Creio que a vida da corte tem-se revelado por demais repetitiva, e nada nela encontro que renda um relato digno. Ó, meus sais. Quase desfaleço de tédio".

O guarda por pouco não mandou o nobre à merda, mas era ajuizado e sabia que mandar jovens herdeiros à merda não fazia bem ao pescoço. Ainda assim, havia um jeito ardiloso de fazer com que o príncipe passasse por maus bocados.

"Já tentastes o calabouço, amo?"

"Perdão? Creio que não conheço."

"Ah, se crêsseis."

"Está dispensado de me tratar na segunda pessoa do plural, guarda."

"Sim, amo. Mas eu lhe favala do calabouço. É onde ficam os prisioneiros do reino. Devem ter muitas histórias para contar. Nada repetitivas e bem dignas, por certo."

"E onde ficam esses cala-bolsas?"

"Terceiro subsolo, senhor. Saindo do elevador, a direita da máquina de refri".

Sem embargo, era um reino assaz moderno. Pois lá se foi o príncipe até os ditos malfeitores atrás de uma história que lhe limpasse os ouvidos como cotonetes, ainda que, é forçoso ressaltar, a maioria dos otorrinolaringologistas seja contra a utilização de tal intrumento. O herdeiro nunca havia estado por aquelas partes, e estranhava a escuridão, as teias, as tochas, a umidade e os gritos de "vem com o pai, boneca!".

Melindrado frente ao ambiente hostil, incubiu um dos soldados de lhe conseguir um prisioneiro educado, falante e respeitador das hierarquias e dos costumes e limpinho, se possível. Trouxeram um falante.

"Como você se chama, meu bom homem?"

"Drágeas. Como em comercial de remédio, 'em líquido e drágeas'. Eu precisava de um diferencial. É sair por aí e você dá com Mordock, Krog, Pfin, Balrog. Levanta um pedra e pula meia dúzia de Shreck. Drágeas sou só eu, mesmo. Eu prezo muito isso da pessoa ter o nome forte, uma personalidade. É o que te bota na cabeça das pessoas, não é? 'Lembra do Grublin?' 'Talvez, não sei, quem sabe...' 'E do Drágeas?' 'Ah, o Drágeas sim, o Drágeas é coisa nossa, ei, ei, ei, Drágeas é nosso rei!' Digo, metaforicamente, alteza. Nosso rei é seu pai, o rei."

"Sim, sim. Alguma história interessante para contar de suas andanças pelo mundo?"

"Ah... não. Tipo... não."

"Como você foi preso?"

"Ah, essa é bem interessante! Foi há pouco: eu estava na aldeia dos aldeões, chegaram uns guardas e me disseram: 'o príncipe quer que alguém lhe conte uma história, venha ou não irá mais a lugar algum'. Eu achei particularmente interessante esse jogo do 'venha' com o 'não irá', mostra que os nossos mantenedores da lei e da ordem são fluentes no idioma e ainda constroem um axioma, o que por outro lado revela..."

O príncipe, fatigado, voltou para sua câmara e, antes de dormir, beliscando restos da pizza pedida no almoço, chegou a uma moral bíblico-cronológica para a sua história:

Não faça como Sansão, que deixou suas colunas para a última hora.

Leia a crônica anterior

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