Deus criou o mundo em seis dias, descansou no sétimo e uma noite entrei em um bar, fui até o balcão pedi um gim-tônica e o garçon perguntou: "Como se faz?" Pedi uma cerveja, olhei para a esquerda e quando olhei para a direita vi uma morena. Com seus trinta e tantos anos e o mesmo número de dentes, me sorriu e disse: "Quer ouvir uma história de fantasmas?" "Não, obrigado. Estou vivendo uma", eu disse, e entrou pela porta da frente um cara atirando e me procurando. "Com mil raios", eu disse!, e pulei para trás do balcão levando a morena junto. "Você conhece esse homem?" "Só de vista." Foi quando ela reparou no meu olho-de-vidro. "Foi ele que fez isso com você?" Tiros, tiros, tiros, copos e garrafas estourando, mal ouvia sua voz apavorada e aveludada. "Não, foi um siri em Garopaba. Agora se você me dá licença..." Com um rápido golpe de descrição desnecessária, dominei meu oponente. Antes que meu canivete rasgasse sua garganta ele ainda disse: "Olhai os lírios do campo". "O que ele disse?", disse a morena se levantando, e eu disse: "O nome de um livro... ou uma ordem, depende de como você encara as coisas." Só restávamos nós no bar, mas no avião estávamos nós dois e mais umas trezentas pessoas. "Nem acredito que conheci você ontem e agora estamos indo para o Canadá." "Não acredite. Eu vou descer no Alasca." Ah, o Alasca... o branco, o gelo, a neve, as montanhas, os ursos polares e todo o ouro do mundo me esperando. Com um trenó e quatro huskies siberianos parti para o Monte Mokinley, 6.194 metros de altitude, mas meu buraco era mais embaixo. "Finalmente nos encontramos", disse Splitzer ao me ver entrar no bar. "E então como é, 50-50?", disse ele. "A conta desta noite será 50-50. Quanto ao ouro, metade para mim, e metade da sua metade para mim também", respondi. "Mas isso não é justo!" "Ou você tem um quarto de tudo, ou metade de nada. O que prefere?" Nem esperei sua resposta e disse "Guarde seu canivete para outra ocasião. Esta conversa está encerrada." Quando me virei para sair, o brilho da lâmina prateada refletiu em meus olho-de-vidro. Apontei e sorri: "Crianças. Imprevisíveis."
Um velho esquimó dançava para os turistas em troca de centavos de dólar no lado de fora, e era dele que eu me lembrava quanto estava na Rota dos Xamãs rumo a mina que me deixaria rico. Billy Bob pensava em desistir e deixar-se congelar no meio da nevasca, mas lhe dei ânimo quando lembrei que Spritzer ia passar a eternidade rindo dele no inferno. De noite, em volta da fogueira, já entorpecidos pelos cogumelos, joguei-o barranco abaixo.
Um ato tolo, sem dúvida. Mas não mais tolo do que descer a montanha com 40 quilos de ouro nas costas e embarcar paraplégico no segundo cargueiro para os Mares do Sul - o primeiro se chamava El Gato Negro e, é forçoso confessar, sou muito supersticioso. Entre os nativos da Micronésia era emocionante, se tédio for uma emoção. Vivendo da renda considerável provinda da venda do ouro para separatistas filipinos, passava os dias na praia sentado em minha cadeira de rodas e olhando as ondas. O sal e o sol eram como uma droga, e à noite vinham as crises de abstinência. E os sonhos ruins.
Sonhava com Amanda, de quando eu e ela atravessamos o Congo com um facão, um colchonete e uma piada interna. "Me fale novamente de como você ganhou esse olho-de-vidro." "Numa rifa." O sonho sempre terminava com Amanda dizendo adeus e me matando injetando veneno em minhas veias, até que uma noite acordei e havia uma nativa realmente injetando veneno em minhas veias. Arremessei-a para o lado e no frigobar ao lado da cama encontrei o antídoto, que injetei prontamente. Ainda tive tempo de ouvi-la sussurrar "Greg" antes de perfurar seu coração. "Greg". Uma pista? Uma ameaça? Uma sina? Precisava fazer as malas.
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