Não sei onde você trabalha, não sei como você trabalha, não sei se você trabalha ou não. Também não sei se, o quê ou quanto você estuda. Pois é, eu não sei muito sobre você, vou ter de falar de mim. Tenho vontade de sair correndo daqui de dentro de onde trabalho quando faz um dia bonito como hoje. Dar no pé, descer de escada, nem de elevador, por o pé na rua e... e aí? Bom, aí não sei, é uma fantasia meio imediata, sem reflexão ainda. Talvez ficasse só olhando o céu, até que um carro me atropelasse. Nenhuma nuvem em nenhum dos horizontes, o céu completamente limpo, como se fosse tratado em computador.
Bom, tem também a segunda vonta. Eu olho a janela, aí me volto para a tela do computador e o ímpeto é de jogar o computador na janela e pular por ela. Calma, eu não ia morrer, a janela dá para o teto de um galpão uns três metros mais baixo, dava tranquilamente para ir pulando, descer um muro e ir parar no meio da rua onde a fantasia está sem rumo mas rodando, você lembra, eu e o céu que nos protege até que um ônibus me colha, como eles dizem na Espanha.
A terceira vontade é um pouco mais elaborada, eu vivo ensaiando no caminho para a parada de ônibus, no ônibus, no lotação, e às vezes as damas ou quem esteja por perto me flagra bem na hora em que eu viro para a câmera e executo minha demissão sensacional. São frases fortes, firmes, trabalhadas, como advogados em crime de tribunal eu convenço o juri de que meu cliente é inocente, no caso de que eu posso sair correndo por aí para curtir o solzinho. Em outra versão o diretor arranjou que uns figurantes me seguem escada abaixo e na rua a gente faz um balé, eu pego a Lara Flynn Boyle ponho em um Cadillac e me mando para... para... essa parte eu não cheguei ainda, estou esperando vendo se rola um financiamento.
Tem dias, como hoje, em que a vontade é tanta que eu começo a fazer comparações. Bom, agora vocês vão achar que eu me acho muito, mas me comparo com Jesus Cristo. Fico pensando se ele não estava de saco muito cheio ajudando o pai naquela carpintaria, aí fez um dia do caralho na Galiléia. A gurizada toda se mandando de camelo e prancha pro Mar Morto e ele lá batendo prego. Aí o cara se enche e inventa que é Messias, ou seja, sai correndo, larga tudo, até que um batalhão romano o atropele. Ou Joana D'Arc, que seja. Está lá naquela França medieval, de certo carpindo a grama, e aí a primavera está tão primaveril que a mina loqueia e sai dizendo que Deus falou com ela só para ir para a Guerra mesmo, sair dali, dar no pé até que a Inquisição inquira algo. Foi a Inquisição que matou Joana D'Arc? Sei lá, interessa que ela se mandou.
Pensando bem, todo esse texto é uma grande hipocrisia. Por quê? Por quê? Me pergunta a leitora guriazinha das macegas que com sua candura e boa vontade já estava arrumando as coisas na mochila num instinto bicho-grilo. Olha só: domingo também fez um dia lindo. Domingo, um dia completamente livre que o capitalismo me reserva. E onde eu estava, onde eu estava? Em casa, estirado na cama, de pijama, embaixo de dois cobertores e um edredon, lendo histórias-em-quadrinhos novas e Playboys velhas - essas sendo lidas pela primeira vez. E se tivesse um computador estava na frente do computador. Ou seja... sou uma farsa, um rebelde de fachada, só quero o que não posso ter. Assim como você?
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