Era meio-dia de Sábado e Edílson estava morto. Sentado à mesma mesa de sempre no mesmo bar de sempre ele bebia a mesma cerveja de sempre. Tudo estava quase igual a sempre. Mas desta vez, havia uma pequena, pequena diferença mesmo. Havia alguém em sua mesa. Aquela mulher que ele nunca vira antes aparecera ali, desculpando-se, dizendo não haver mais mesas livres e "afinal de contas ele estava sozinho, não é verdade?". Edílson, que desde o divórcio só sentara-se em mesas com prostitutas, achou que poderia ser uma boa idéia, mas não se permitiu muita simpatia. A verdade é que ele ainda era medroso. Sempre fora, qual a novidade? Deixou que a mulher se sentasse e continuou a beber, intrigado com a figura florida e sorridente à sua frente. Cândida sentou-se, um tanto transtornada pela situação inesperada, não havia mesas...mas não eram horas para reclamações e resmungos. Ela tinha com sede, fome, se sentia cansada e com calor. Qualquer lugar com um ar refrigerado e um refrigerante lhe serviriam perfeitamente. Mesmo que tivesse que dividir a mesa com aquele sujeito estranho que mal a olhava, carrancudo. Decidiu por bem ser o mais simpática possível, e, enquanto aguardava pela chegada de seu lanche (ela pedira um bolinho de bacalhau e uma guaraná), tentava sorrir para arrancar qualquer esboço de reação de seu sisudo colega de mesa.
O suor escorria nas costas de Edílson, colando-o à cadeira. O ventilador de teto parecia estar fingindo. Ele resignou-se, bebendo a cerveja, sem muitos pensamentos. Ao levantar a cabeça, a mulher florida ainda o olhava. Edílson sentiu-se corar. Sentiu que devia dizer algo, ser gentil, afinal a moça estava sorrindo. Fazendo o possível para esconder o tremor em sua voz, Edílson tascou-lhe:
— Calor, não é?
— É o buraco no Ozônio, todo ano cresce um pouquinho mais, sabe?—respondeu ela candidamente como lhe era de costume. E, desajeitada ao perceber a expressão de confusão no rosto do homem, ainda acrescentou:
— Dizem que até o ano 2012 tudo na Terra vai desaparecer por causa do buraco no Ozônio...as calotas polares derreterão e tudo vai ficar submerso.
"Buraco no ozônio? Calotas polares? Submerso?" Edílson não tinha a mínima idéia do que ela dizia. Arrependia-se de ter puxado papo, mas agora tinha que sair dessa. Não poderia simplesmente ficar calado...O olhar inquisidor daquela florida sorridente ficaria pousado fixamente em seu rosto até que ele desse alguma resposta, algo que a convencesse, algo que a calasse para sempre e a seu palavreado difícil. Edílson não sabia o que dizer. Mas arriscou:
— Não esquenta não moça, deve ser só o verão, mesmo.
Cândida, apercebendo-se do desconforto que causara, desconfortou-se também, e virando-se para trás na cadeira notou que seu lanche estava a caminho. Comeu e bebeu silenciosamente sentindo o olhar curioso do homem sobre sua cabeça. Por educação, ofereceu com um gesto suave um pedaço de bolinho a seu ‘anfitrião’, que recusou imediatamente, também com um gesto, corando e baixando a cabeça. Cândida comeu, bebeu, palitou os dentes. Ao terminar, levantou-se e pagou a conta. Na saída do bar, quando passou novamente pela mesa, agradeceu, sorriu e foi embora, com passos curtos e apressados a balançar suas vestes floridas.
Edílson observava a mulher, enquanto esta comia, bebia, palitava os dentes. Ela mastigava educadamente, mordendo pedaços pequenos, de forma que o bolinho demorou a ser comido. Demora que o deixava mais do que nervoso. Ela era até bem bonita, aquela dona. De repente, ela tocou-o no braço para oferecer um pouco do bolinho que, na verdade, parecia gostoso, mas ele recusou por educação. Tocou-lhe no braço com aquela mão pequena, quase transparente de tão branca. Edílson limpou o braço com a outra mão, por instinto. Quando ela levantou-se em direção ao caixa, ele respirou fundo, virando o copo de modo a esvaziá-lo, e tornando a servir da garrafa. Antes de sair do bar, a mulher ainda sorriu-lhe mais uma última vez, agradecendo-o.
Sentiu-se corar novamente e, com as pernas tremendo ligeiramente, ainda conseguiu dizer baixinho, à medida que ela já se afastava cruzando a porta do bar:
— Não tem de quê, madame.
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