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    EMILIANO URBIM
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A oitava anã

Segunda, 12 de agosto de 2002, 15h42



Há um ditado entre nós, detetives particulares. Vai ser um dia ruim se começa com um marido traído. Vai ser um dia péssimo se começa com uma mulher traída. Vai ser um dia catastrófico se começa com um personagem de um conto de fadas. Mas é a mim que eles vem, Eliseu Drummond, o melhor - e provavelmente único - detetive do bairro Auxiliadora.

A cliente era o que alguns chamariam de verticalmente prejudicada, e que eu chamaria de Virginia. Foi assim que ela se apresentou do alto de seus 1m e pouco, muito pouco - minha secretária mediu-a; minha secretária é impressionante.

Virgínia dizia ter passado quase toda a vida com mais sete anões em uma casa no bosque, até que uma princesa muito pálida e de tiara foi com eles viver, trazendo consigo maçãs envenenadas, uma bruxa, um príncipe...

"... e as coisas nunca mais foram as mesmas. Se já estava ruim com ela lá, ficou pior depois que ela saiu. Os garotos passam o dia suspirando por ela, ansiando por sua volta. `Nossa princesinha´, eles dizem. `De Neve, onde está você, De Neve?´ Não aguentei, me mudei para uma pensão para moças perto da rodoviária. O senhor se importa que eu fume, sr. Drummond?"

"Não, fique a vontade." Ela já estava em pé em cima da cadeira, com seu vestidinho rosa e toca verde. "Mas me diga uma coisa".

"Uma coisa".

"Ótimo, agora me explique: até agora o problema me parece mais para um terapeuta familiar do que para um detetive. O que você quer de mim exatamente?"

"Quero que você a encontre para mim. Daí em diante, eu sigo sozinha".

O que ela ia fazer quando a encontrasse? Matá-la, beijá-la, tosquiá-la, fatiá-la, cabala, senzala, casa-grande...

"Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior..."

"Sr. Drummond?"

"Perdão, perdão, digressões. Mas, Virgínia... os seus, arram, companheiros, não saberiam onde encontrá-la? Ela não deixou um telefone de contato, uma possível referência? Nenhum dos sete mantém contato com a senhorita De Neve?"

Ela franziu o cenho - e o que mais se franze? Apagou o cigarro em minha edição da Contigo e olhou para o quadro da parede, "Convescote anil", de autoria da minha secretária; minha secretária é impressionista.

"Eu suspeito que todos saibam. E sei que jamais me diriam. É por isso que preciso de você".

Gotcha.

"Isso vai custar caro".

"Eu posso pagar".

"Você pode pagar caro?"

"Veremos".

A investigação durou pouco mais de uma semana. Ninguém nas ruas sabia de nenhuma De Neve, então a saída foi ir atrás dos próprios anãos.

Anães. Digo, anões. Desculpem. Marquei com Virgínia no supermercado.

"Andei seguindo seus amiguinhos. Que bando de desajustados, não é? Me alcança a maionese".

"Ó. Nem me fale. Mas e então, o que descobriu?"

"Bem... o primeiro que segui foi Dunga. Ele não... como estão feios os tomates... ele não falaria com De Neve nem que quisesse. Aliás, por que o coitado é daquele jeito?"

"Infância fácil, adolescência difícil, palavras-cruzadas médias, faça as contas".

"Entendo. Bom, então eu fui atrás de... leite integral uruguaio, OK. Fui atrás de Feliz. Segundo consta, ele ainda está na viagem de um cogumelo ingerido há anos atrás, daí o sorriso permanente. Bom, Feliz passa os dias no hipódromo gastando sua parcela dos lucros da mina de diamante".

"Outro esbanjador é Dengoso! Olha, a Pepsi está em promoção!"

"Por Cristo, Virgínia, é Pepsi. Mas você falava de Dengoso. Sim, falei com seu contador. Além da pensão das ex-mulheres ele gasta uma pequena fortuna mensal com o que ele chama de 'dengos': carros, viagens, cobertores térmicos, gatos de cerâmica, canetas hidrocor. Ele também não parece se importar com De Neve".

"E Soneca? Ele passava dias trancado no quarto."

"Verifiquei. Ele só dorme mesmo. Aparentemente nem notou que uma princesa esteve morando com eles. Depois tem aquele que eu não lembro o nome... o... o..."

"Saco, eu também não lembro. Bom, não ia ser justo esse saber do paradeiro de De Neve."

"Exato. Enfim, restaram Mestre e Zangado. Você sabia que eles..."

"Sim, sim, desde sempre. Viviam se inticando, duas bicha véia muito chata, um inferno."

"Pois bem. Os dois vieram para a cidade semana passada. É natural."

"O que é natural, Eliseu?"

"O suco de laranja, é natural. Tem de ser consumido em três dias após ser aberto. Pois bem, Zanga e Memê vieram a cidade não para vender os diamantes nem visitar a feira de antiguidades, como disseram, mas para comparecer a um enterro".

"Oh, meu Deus..."

Branca de Neve estava morta. Somente o casal de pequenos sabia de seu paradeiro. O Príncipe Encantado e ela alugavam um apartamentinho na periferia. Ele trabalhava como eletricista e ela ficava em casa. Tudo parecia ir bem, até que ela "começou a desparafusar", segundo uma vizinha e "não se governava mais", segundo outra. Ela falava com os
espelhos, arrancava o coração dos animais de estimação e passou a desenvolver uma anorexia de fundo nervoso, chegando a ponto de ela achar que tudo estava envenenado. A princesa foi minguando, minguando, até falecer na semana que havia passado. O Caçador, Mestre, Zangado e Tom Cruise foram os únicos que compareceram ao funeral.

"De neve..." Virgínia chorava abraçada a mim, molhando todo o meu bolso esquerdo da calça, e junto a lista de compras.

"Por que tanto choro, Virginia? Eu pensei que você a odiasse. Pensei que queria encontrá-la para matá-la, refogá-la, defumá-la, picá-la, Gala, Haddaway, Ace of Base..."

"Não, Drummond. Não.", disse ela, fincando fundo as unhas nos meus joelhos. "Eu só queria vê-la. Ela era tudo que eu sempre quis ser. Estar com ela era um pouco sê-la."
Fiquei com pena da baixinha. Contentei-me que o pagamento do caso fosse a conta do supermercado.

Contei a história para minha secretária, que chorou; minha secretária é impressionável.

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