Quinta, 22 de agosto de 2002, 18h17

José bateu ponto todos os dias por cinco anos, pois aprendeu que o trabalho dignifica o homem. Começou como office boy numa firma de entregas e caiu nas graças do patrão, que o deixou sair duas horas mais cedo todos os dias para cursar administração numa faculdade particular. Quando se formou, o patrão já tinha morrido de ataque do coração, comia bacon e salsicha todos os dias e entupiu as artérias, mas o filho também gostava de José e lhe deu a vaga de gerente de compras. José achou que isso bastava, até que leu em um almanaque de farmácia que Deus ajuda quem cedo madruga. No dia seguinte, acordou às cinco da manhã. No trem quase vazio para o trabalho, olhou a cidade ainda acordando, o dia clareando. Fez a pé o caminho entre a Central do Brasil e o escritório, do outro lado do centro. Costumava fazer o mesmo caminho de ônibus todos os dias, mas tinha tempo. No caminho, entrou numa padaria, pediu café com leite e viu Cátia pela primeira vez.

Cátia era a funcionária nova da contabilidade. José ouviu os colegas comentando sobre ela, mas não se interessou. Bastou um olhar, porém, e sentiu o suor frio descer da testa, lhe umedecer as mãos. No trabalho, perguntou a um colega o nome dela. Mais tarde, estragou várias faturas rabiscando: Cátia, Cátia, Cátia.

Virou uma obsessão, mas também um problema. Se achava feio, o José. Não só feio, se achava horrível, um monstro. Isso explicava seu desinteresse pelo sexo feminino. Não se importava com as mulheres porque nenhuma se importava com ele. Nunca uma mulher o olhou na rua, nunca houve flertes ou cantadas. Só não era virgem porque foi a um puteiro com os amigos quando adolescente. Não criaria coragem se não fosse a frase da TV. Em um programa destes do meio da tarde, mulheres discutiam sobre o homem ideal até que uma disse: não precisa ser bonito. Quem ama o feio, bonito lhe parece. José passou o resto do dia e os dias seguintes pensando na frase. Uma semana depois, seu humor mudara. Se sentiu mais confiante. Sou um dos poucos aqui que fez faculdade, um bom partido, como diziam. Entrou na contabilidade e foi até a mesa de Cátia. Ela o olhou e sorriu. Ele quase desistiu, sentiu as pernas tremerem, mas fez a pergunta: aceita sair comigo? Cátia respondeu: Sim.

Ficou grávida com seis meses de namoro e deu a notícia justo quando José terminava de completar uma palavra cruzada que perguntava: Quem casa quer.... Ele pediu a mão de Cátia ali mesmo, no banco do shopping center. Como não tinham dinheiro para a champagne, os dois brindaram com fanta uva.

Alexandre Rodrigues escreve às quintas-feiras no Popular

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