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    EMILIANO URBIM
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1506

Quinta, 05 de setembro de 2002, 09h33



No elevador o funcionário do hotel me pergunta quanto tempo vou ficar em São Paulo. Três meses, eu digo, e ele então quer saber se eu sou jornalista. Digo que sim.

"Eu logo vi. De tempo em tempo vem uma leva nova para fazer esse curso do jornal, e sempre ficam nesse hotel. O senhor veio fazer o curso do jornal, não veio?"

"Vim."

Descemos no 15º andar. São corredores escuros. As luzes só se acendem quando se pisa no tapete sob elas. Os passos iluminadores do funcionário me conduzem até o quarto 1506. Chego a fuçar na carteira, mas R$ 1 é pouco e R$ 50 é demais. Não dou gorjeta.

De cueca e camiseta me jogo na cama. Agonizo de sono e fome enquanto sonho e digiro as memórias das últimas horas em Porto Alegre. Ouvi de tudo, desde "preciso dar pra ti antes que tu viaje" até João Gilberto. Conselhos, adeuses (terá adeus plural?), beijos, abraços e agora só sono fome sono sede sono tudo dói tudo dói. As malas ainda feitas me encaram severas, eu dou meu melhor olhar de desculpas, desvio envergonhado de tanta preguiça.

Ligo pra casa dos meus pais e apavoro minha mãe com voz de choro e um "ãããã... deu tudo errado...". A tadinha se apavora, eu rio. Ela primeiro me puteia, depois me xinga por eu ter ligado do quarto e não do orelhão da recepção. Ligo a TV. Passa um programa de auditório para a colônia japonesa, que eu não quero ver, mas o controle caiu muito longe, então eu olho as malas e elas praticamente me obrigam a desfazê-las.

O guarda-roupa é grande. mas falta cabides e eu vou jogando tudo como se passasse baldes adiante para combater um incêndio. No fim sobram uma bermuda e uma camiseta e é com elas que eu saio na rua. Tudo parece com, fala como e cheira a Centro, então esse deve ser o Centro. Vou por um calçadão sem rumo, dou de cara com a praça da Sé, depois a Sé, depois não sei. Entro num buteco, estão vendo o jogo do Palmeiras. Eu peço um xis e um suco de laranja. Se o sotaque não me denuncia a minha cara ao ver o sanduichinho que me servem deve ter mostrado que eu não sou daqui. O
garçom pergunta de onde vim. Ele sabe que eu não sou de São Paulo, só não sabe o quanto. Minto:

"Curitiba."
"E é bom lá?"
"Pior lugar do mundo. Pode espalhar."

Saio fazendo o que eu acho que é o caminho de volta. Está frio para um turista pedestre, mesmo um "do Sul", como eles dizem aqui "no meio". A cidade é toda torta, os prédios são dominós enfiados em um rocambole. Sono frio sono, que passeio idiota, ainda saí com todo o dinheiro, vão me
assaltar bem debaixo de um out-door do Delfim Netto arregaçando as mangas.

Mas minha vida é muito chata, estou no hotel de novo. Não, melhor tomar banho antes. Queria que fosse de banheira, mas não tem tampa para o ralo. O chuveiro é daqueles bem fortes, a oitava maravilha do mundo. Visto moleton e calça de abrigo, arrumo os discos e livros, cato uma tomada
pro laptop, folheio as revistas e jornais que comprei no aeroporto, leio um livro, assisto a um filme e quando não dá para fazer mais nada me enfio embaixo das cobertas. Vou dormir às cinco para acordar às nove no primeiro dia do curso. Vivo pra me sabotar.

Sopra um vento frio pela persiana que ficou aberta.
Da janela vê-se o Vale do Anhangabaú, que lindo.

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