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    EMILIANO URBIM
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Agenor era da fuzarca

Quinta, 12 de setembro de 2002, 18h54



O Agenor era da fuzarca. Ainda não tinha um pêlo na cara, mas no Cassino já chamavam ele de senhor. Aí, quando deixou crescer aquele bigodinho, virou doutor, sem nem ter completado o Ginásio. Claro que não era doutor como você, com diploma e tudo, era "o reitor da Universidade da Vida." Essa não é minha, é do velho Alvarenga. Nunca
mais vi o Alvarenga depois do que aconteceu. Mas eu já esperava que ele não viesse me visitar na cadeia.

Mas eu falava do Cassino: como tinha sorte aquele sacripantas. Sempre ganhava! O pessoal dizia que o Agenor tinha combinação com o croupier, e era capaz de ter mesmo, mas eu ainda acho que era sorte. Mais sorte que juízo: tudo o que ganhava na mesa de jogo gastava na mesa do bar. E por culpa nossa. Eu e os outros rapazes saíamos rotos do Cassino, sem um tostão furado. E o Agenor, de bolsos forrados, era patrono do resto da noite. O Agenor era do barbalho.

Uma vez nós fizemos um cálculo, eu e o Alvarenga, que era muito bom nas matemáticas, de quanto o Agenor teria poupado se fosse para casa. Ou fosse beber sozinho, que seja. Cento e trinta mil cruzeiros! Você sabe o que eram cento e trinta mil cruzeiros? Bom, você é muito jovem para saber, mas eu Infelizmente também não lembro. Mas era dinheiro
para dedéu, dinheiro para acertar a vida do sujeito, sustentar família.

Bom, com isso de família o Agenor nunca precisou se preocupar. Nunca casou, e a sua própria ele não conhecia: era órfão, tinha sido criado pelas freiras. Até um a certa idade, porque depois foi criado pelas putas. Essa não é é minha, é do Palhares, outro do nosso grupo.

Certa feita o Palhares quase foi às vias de fato com o Agenor por causa de mulher. Pôs o olho no broto primeiro, mas dali a pouco o outro já havia posto tudo, se é que você me entende. Teve de o Agenor ter com ele e contar-lhe tudo o que ele havia feito com a garota. Tim-tim por tim-tim, preto no branco. Palhares teve de admitir que o Agenor havia aproveitado a oportunidade muito melhor do que ele
jamais aproveitaria. E fizeram as pazes.

Você veja só, o Palhares também me perdou, mas perdoar não quer dizer entender. Ele esteve aqui outro dia, sentou-se nesse banco em que você está, me olhou do fundo dos óculos e perguntou "por quê? Por quê?" Eu respondi. Ele não disse nada. Foi embora. Mas me deixou o seu cartão - que bom que você veio! E umas fotos daqueles tempos. Olha só nós de smoking branco no Reveillón.

Reveillón esse inclusive em que o Agenor lascou umas bitocas na Princesa de Mônaco! E acho que só não entrou para a dinastia porque teve de interromper os trabalhos para fazer o contagem regressiva. Imagina: seria um ano de azar se o Agenor não contasse de dez a zero. Mas eu estou exagerando, o Agenor não ia muito a festas. As festas é
que iam até ele. Se corria o boato de que ele estava na praia, a turma ia toda para a praia. A mesma coisa se fosse no turfe, numa festinha de embalo, num coquetel, batizado de porta-aviões. Era um séquito de fanáticos. Lembro que quando mataram o Getúlio saiu em letras garrafais: "Getúlio morreu! Mas ainda temos Agenor!" Essa não é minha não, era a a capa dos jornais. Mas claro que é verdade, pode pesquisar, hoje em dia eles tem tudo em microfilme, não é?

Quando ia a restaurante, tinha um ritual. Olhava o menu com cara de pouco caso, chamava o garçom, que ele conhecia de nome, e perguntava: "E pra mim, tem o quê?" E você não pense que era só em restaurante. Era assim do alfaiate ao engraxate, do barbeiro ao cartório: o cliente que tivesse razão, pois a Agenor tinha preferência. Agenor era o fino da bossa, o gênio da raça. Agenor era uma sumidade.

Mas Agenor não entendeu quando eu lhe dei um beijo. Não
entendeu que era amor. Você entende, não entende? Amor. Preciso que o senhor entenda para que possa me defender no tribunal. Toda a vida estive ao seu lado, nutrindo admiração, carinho, respeito. Ele veio com umas conversas de que ia viajar por um bom tempo. Para o interior ou para o exterior, não sabia. Foi ele dizer isso e começou a me dar saudade e desespero: o que eu ia fazer sem o Agenor? O que eu sempre quis ser - o que eu sempre quis. Pedi um
beijo, ele riu, beijei-o a força. Não foi bebida, não foi ataque dos nervos. Não foi viadagem. Foi amor.

E foi tudo muito rápido. Quando vi, ele estava no chão da minha sala ensangüentando o carpete e eu com uma arma fumegante na mão e uma dor no maxilar. Mesmo sendo baleado ele ainda conseguiu me acertar um cruzado de direita. Como o Agenor, só o Agenor - essa é minha mesmo.

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