Quantos de meus galantes leitores já ouviram falar de Joshua Abraham Norton? Opa, podem ir baixando esses braços, malditos leitores de Sandman. Daqui a pouco vou acabar descobrindo que sou lido por rpgistas, e confesso que não
sei qual será minha reação. Rpgista é como metaleiro: se você foi uma vez, será para todo el sempre. Eu fui os dois. [aqui vosso colunista esticou o braço para puxar o pensamento de volta para a história do véio Norton ]
Joshua Norton foi um inglês nascido em 1819, que morreu sessenta e um anos depois com o título de Imperador dos Estados Unidos e Protetor do México. Foi homenageado pelos discordianos (não sabem quem são? um dia eu conto) como
patrono do primeiro conluio erisiano. Era uma figura divertida: baixinho, roliço, uma barba bem século XIX que o deixava com uma cara quentinha de leão-marinho. Quando ele ainda era criança, seu pai levou a família para a África do Sul, onde estabeleceu um razoável império comercial. Em 1848, o pai morre e deixa Joshua com uma herança respeitável. Ao invés de assumir os negócios da família, como seria lógico e bege, resolveu se aventurar pelo mundo.
Primeiro destino: o jovem Império do Brazil.
Infelizmente, nunca consegui encontrar informações sobre o que o futuro imperador dos EUA fez por aqui. O fato é que ele não durou muito nos trópicos, sei lá por qual motivo. Quando descobriram ouro na Califórnia, lá se foi o menino, com uma pequena fortuna nas mãos. Chega em São Francisco, abre um armazém e fica milionário em cinco anos. Acaba se entediando com tanta segurança e resolve arriscar tudo em uma jogada ambiciosa, investindo todo seu dinheiro em arroz, cujo comércio pretendia monopolizar. Apostou tão alto e tão errado que foi à falência em um só dia. Ficou sem trabalho, sem dinheiro, sem casa, sem comida, sem josta nenhuma. A situação que deixaria a maioria dos viventes sem imaginação em desespero foi a deixa para que Joshua Abraham Norton entrasse para a história bizarra universal como um Gênio Filho da Mãe.
O ano é 1859, setembro. o editor do San Francisco Bulletin, o jornal mais importante da cidade, não acredita quando aquele barbudinho atarracado e fedorento adentra a redação e declara: "sou o imperador dos Estados Unidos". Depois das risadas iniciais, fica de saco cheio das egotrips absurdas contadas por Joshua e o arrasta para fora do jornal. Quando volta para sua mesa, encontra uma folha de papel com a proclamação inicial do Imperador Norton. Não se sabe bem o motivo da mudança de humor do jornalista, mas o fato é que no dia seguinte o San Francisco Bulletin publicou na primeira página a proclamação inicial do Imperador Norton. Em outubro, publica também - de graça - seu primeiro decreto, que abolia o Congresso por motivos de corrupção endêmica e depunha o presidente por falta de vergonha na cara. Os Estados Unidos eram agora uma monarquia, governada pelo Imperador Joshua Norton.
O decreto não recebeu muita atenção dos paspalhos do governo de Washington. O Imperador ficou puto da cara e enviou uma carta ao comandante do exército americano ordenando a imediata invasão do Congresso. Ao mesmo tempo, requisitou a todos os governadores da união a presença de delegados para sua posse. Por motivos misteriosos, ninguém apareceu. Isso não tirou o ânimo de Norton, que não perdeu tempo e publicou um novo decreto, que anexava o México
ao Império (e "Protetor do México" ao seu título nobiliar).
O motivo único da anexação, de acordo com o Imperador, era a óbvia incapacidade dos mexicanos de se auto-gerirem.
Com as proclamações, aliadas ao seus discursos públicos e ao seu uniforme pomposo e proto-psicodélico, Norton acabou ficando muito popular na cidade. Já que era o Imperador, passou a ser sustentado pela população e pelo governo local, de quem recebia moradia, alimentação e transportes gratuitos. Como não trabalhava, nunca tinha dinheiro para suas outras despesas, o que o levou a criar um sistema de impostos. Os lojistas deveriam lhe pagar de 25 a 50
centavos de dólar por semana, e os bancos lhe deviam um tributo mensal de 12 dólares. A maioria pagava, rindo loucamente. Pelo visto, a civilização ocidental ainda tinha senso de humor. O Imperador morava em um apartamento dominado por um quadro de Napoleão e outro da rainha Vitória. Durante seu expediente cumprimentava os súditos, fiscalizava os horários dos transportes e chegou até a inspecionar pessoalmente os esgotos da cidade. Para que não
surgissem brigas religiosas, freqüentava uma igreja diferente por semana.
Quando entrava (de graça, claro) em teatros, a audiência se levantava e fazia reverências silenciosas. Com o passar do tempo, seu uniforme foi se deteriorando, até que acabou sendo obrigado a fazer uma proclamação: "Sabei que nós, Imperador Norton I, temos diversas queixas contra nossos súditos vassalos, a saber: o guarda-roupa imperial é uma desgraça para a nação". No dia seguinte o conselho municipal de São Francisco realizou uma votação de
emergência e liberou os fundos necessários para que o Imperador recebesse novos trajes.
Existem várias histórias fabulosas sobre Norton. Certa vez, um policial novato o prendeu por vagabundagem. O fato revoltou a população, que exigiu providências. O Imperador Norton foi libertado pelo chefe da polícia em pessoa, a quem apresentou um pedido de desculpas. Só perdoou o ocorrido quando foi visitado por uma delegação do conselho municipal de São Francisco.
Em outra ocasião, lhe foi negada uma refeição gratuita em um dos trens da Central Pacific, o que lhe levou a lançar um decreto abolindo a companhia, que na época era a mais importante da costa oeste. Pouco tempo depois, recebeu passe livre vitalício e um pedido formal de desculpas. Satisfeito, redigiu uma nova autorização para o funcionamento da empresa. Quando os Estados Unidos mergulharam na guerra civil, em 1861, o Imperador Norton veio a público e se declarou extremamente preocupado. Não hesitou em tomar atitudes: convidou os presidentes Lincoln e Davis (da confederação) para uma reunião, onde serviria de mediador. Para sua surpresa, nenhum deles apareceu na data marcada, o que o levou a publicar um decreto ordenando o fim imediato das hostilidades e prometendo ação imperial para breve, o que acabou não acontecendo.
O povo de São Francisco continuou aplaudindo e se divertindo com as peripécias de Norton até sua morte, em 8 de janeiro de 1880. Seu caixão ficou exposto à visitação pública durante dois dias, e por ele passaram mais de dez
mil súditos fiéis. Em sua nota de falecimento, foi dito: "o Imperador Norton não matou, não roubou e não expulsou ninguém de seu país. Poderíamos dizer isso da maioria dos indivíduos que exerceram seu cargo?". Joshua Abraham
Norton, Imperador dos Estados Unidos e Protetor do México, está enterrado no cemitério Woodlawn, em São Francisco. Sua lápide não anuncia Joshua Abraham Norton, mas Imperador Norton I. Vale a visita e a homenagem. Norton salva,
Norton te ama, Norton breve voltará. É melhor todo mundo reaprender a rir antes que seja tarde.
Leia a crônica anterior
Veja as notícias »