Fui ontem ver "Sinais". Sim, só ontem, já respondendo para a guriazinha das macegas que me lê. Sim, eu sei que já estreou há um mês, guriazinha. Saco. Aqui, pega esse papel e faz um desenho bem
bonito pro tio."Sinais" é o último filme do M. Night Shyamalan. Não está ligando o nome a pessoa? Pior, está achando graça que o cara tem "noite" no nome? O "Night" ele inventou na faculdade, pode rir mesmo. Shyamalan é o mesmo diretor e roteirista de "Sexto Sentido" (o do guri que via gente morta) e "Corpo Fechado" (o do cara que não morria). Dessa vez não tem Bruce Willis no papel principal, ele foi substituído por Mel Gibson, que faz um ex-padre viúvo (protestantismo é isso aí) que planta milho. O cara ficou abaladão depois que a mulher morreu, então está lá para dar uma força o irmão menor Joaquin Phoenix (1). E fiquem tranqüilos aqueles que não gostam de saber muito de um filme antes de ver, não vou falar mais nada.
Meu ponto é que em dado momento do filme o Joaquin está assistindo a uma espécie de CNN e a locutora anuncia que eles vão mostrar um vídeo caseiro em que aparece um extra-terrestre - OK, OK, falei que não ia contar mais nada e contei, foi mal aí. É uma festa de aniversário de um guri, interrompida quando os piás vêem algo estranho lá fora. Para meu supremo interesse e espanto, o vídeo fictício vem do Brasil (!), da cidade de Passo Fundo (!!!)
Passo Fundo existe, e fica no noroeste do Rio Grande do Sul. Nunca estive lá, só passei de carro, rumo a Erechim, onde tenho parentes paternos. É a terra do Felipão e da Camilinha (2). É a capital do Planalto Médio, uma cidade de colonização alemã, italiana e polonesa, o que só deixa mais estranho para mim o fato do cinegrafista amador do filme ser um sujeito chamado Ramon Menendez, Pablo Pérez ou alguma coisa assim bem hispânica. Para completar, enquanto o Joaquin assiste a cena impaciente, grita para que as crianças saiam da frente em bom castelhano: "¡Vamonos!". Ao menos fui surpreendido positivamente quando a gurizada não falava em ipanemês. No meio do berreiro, se
distingue a voz de um menino que com um sotaque jornal-nacionalmente neutro afirma: "Ali! Atrás da garagem! Ali!". Perto da garagem vê-se a traseira de um fusca gelo (3). Vê-se mais coisa, mas vai estragar a surpresa se eu contar.
Pesquisei hoje na internet e descobri que a cena foi na verdade gravada na Filadélfia. O diretor explica que não conseguiu o número que queria de figurantes brasileiros, então colocou um casal
português. "Dá para perceber? Os brasileiros ficavam rindo toda vez que os portugueses falavam..." Não, não dá, pois os portugueses não falam. O guri que grita chama-se Kevin Pires (4), e seu papel é creditado como Brazilian Birthday Boy.
Poderia-se exigir que o Kevin falasse com perfeito sotaque passo-fundense. Supreso? Existe sotaque passo-fundense. Sim, os gaúchos, além de volta e meia querermos nos separar do resto do Brasil, ainda desenvolvemos uma complexa rede de sotaques regionais, que vai do oxítono da Fronteira ao desmodulado de Porto Alegre, passando pelas variações "colonas" da Serra e os arcaísmos lusitanos
do litoral.
Você, a guriazinha das macegas (que já terminou o desenho? ó, que bonito, uma casa), Kevin Pires, sua meia-irmã e os ETs que ele vê no filme podemos até ter muito em comum. Vale aquela regra dos seis passos de separação entre todos os seres humanos. Conheço um cara que tem um primo que era mecânico do Kevin Bacon, para ficar ainda mais no jogo. Mas eu encasqueto com essas coisas. Acho todo mundo muito diferente. Eu e o Shyamalan podemos até ter em comum o conhecimento da existência de Passo Fundo, mas, cara, nada a ver.
Semelhança versus diferença é inclusive um tema recorrente da filosofia através dos séculos. Todo homem é uma ilha? No caso gaúcho, pelo menos, acho que o Erico Verissimo matou essa quando chamou a primeira parte da trilogia "O Tempo e o Vento" de "O Continente" e a última de "O Arquipélago". Ou, para os que preferem uma fonte mais erudita, quando Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Hawaii, fez a brilhante letra já no disco de estréia da banda: "Eu caí, você caiu, numa armadilha / A gente tenta esquecer / Que todo mundo é uma ilha". Ah, a poesia...
1. Um amigo meu deve estar feliz que o Joaquin Phoenix está fazendo o papel de um irmão de um Padre. É meio caminho andado para a realização de seu projeto cinematográfico, um blockbuster de ação chamado "The Priests", estrelado por Phoenix, Robert Downey Jr. e Johnny Depp. Os três são padres muito "cool", que se juntam para combater o mal. É, às vezes a gente também tem sérias dúvidas quanto à sexualidade desse amigo.
2. Camilinha, eu sei que eu tô te devendo uma revisão de roteiro, um e-mail de "assim estão as coisas", um telefonema, um quindim e um alô. Mas, sei lá, me enrolo. A Camilinha, gente, já foi inspiração de conto meu, "Uma canção para Camila", que volta e meia alguém encontra na revista virtual Proa da Palavra (www.terra.com.br/proa). É de 1998, há muito tempo atrás, em um lugar muito distante.
3. Conhece o trote do fusca gelo? "Alô?" "Senhora, aqui é da polícia, precisamos da sua colaboração. A senhora pode ver se tem um fusca cor de gelo estacionado na frente da sua casa?" "Só um pouquinho que eu vou ver." Pausa. "Não, não tem." "Ah, então já derreteu!!! HAHAHAHA!!!". Ai, humor inteligente é outra coisa. Literalmente.
4. Segundo o Internet Movie Database, é a estréia de Pires no cinema. Um guri com o mesmo nome, que eu não sei se é ele, foi "aio" em um casamento de sua meia-irmã Nicole Neves com Nelson Gomes, na cidade de Rochester, estado de Nova York, em 1998. O mesmo guri em 1997 dedava os colegas de colégio que tomaram LSD, dizendo que "todos estavam chorando pois pensavam que seus amigos fossem morrer".
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