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    EMILIANO URBIM
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Diário de um mongo - parte 1 de 2

Quarta, 13 de novembro de 2002, 10h06



E aí? Saudades? Eu também não.

Bom, essa semana vou mandar texto velho retina abaixo de vocês. É, texto velho, carcomido e amarelado, de duas semanas atrás. Escrito na hora, ali, na chincha, grafite no papel. É uma história triste, é uma história trouxa, é a minha história. Bom apetite.

XXX

26 de outubro de 2002

É o menor quarto em que já estive. Pelas minhas medidas dá 1,5m x 3m ou 1 Emiliano adulto sem pescoço e cabeça por 1 Emiliano adulto com o braço estendido segurando um tênis mais uma lixeira caída - que bom que inventaram o sistema métrico. São 0h34, por não falar nisso.

Estou escrevendo em uma folha de ofício sobre a contracapa da Playboy da Ellen Roche. Não, é a Vip. Fosse Playboy eu não estaria escrevendo isso, mas é a Vip, e a Vip não mostra nem mais peito. Escolhi a parte de baixo do Beliche para dormir. Normalmente teria escolhido a de cima, mas a inferior estava na altura da TV. Hoje, ontem aliás, 25 de outubro de 2002, foi o dia do último debate dos presidenciáveis. Assisti sem entusiasmo. Lula deve estar em Brasília dia 1º de janeiro.

E eu não devia estar aqui!

O beliche, o banquinho, a TV sobre o banquinho, a lata de lixo, a parede de divisória de escritório branca e plástica, todos eles deveriam estar aqui.

Mas não EU.

Eu perdi meu vôo. Se não, deveria ter desembarcado em Porto Alegre há pelo menos 1h atrás e estaria na casa do Solon, tomando cerveja, comendo churrasco e, com sorte, uma guria. Mas não. Eu cheguei no aeroporto de Congonhas às 8h35 para um vôo às 8h47, e ,quando o cara falou em Lista de Espera, meu mundo caiu.

Na real não. Eu tinha certeza quase absoluta de que em qualquer outra companhia haveria uma passagem me esperando. Tinha ilusão de que de hora em hora havia vôo para Porto Alegre. A Gol e sua Lista de Espera que se fodessem! Eu ia de Varig e ainda ia pagar a passagem com o reembolso - anotei até o 0800 dos pechinchadores alvi-laranjas filhos-da-puta comedores de carniça filhotes de cruz credo nhoques de aborto de panda. Nhoques de aborto de panda!

Vocês sabem o que quer dizer Varig, não é? Vários Acionistas Reunidos Iludindo Gaúchos. Tinha um mísero vôo - um! - lotado. Qual a pior expressão do mundo? Lista de Espera. Mas eu ia entrar. O funcionário do balcão disse que eu ia entrar, o passageiro do outro lado do balcão também. Este inclusive também estava indo para um churrasco, também vai no Gre-Nal, também havia se atrasado. Nossos destinos estavam traçados, unha e carne, éramos irmãos! Mas chamaram o nome dele e o meu não.

Ainda houve um suspense patético: havia a possibilidade de entrar ainda, desde que algum dos 117 passageiros que fizeram o check-in não embarcasse no avião. Minha ida para Porto Alegre dependia de que um cidadão que pagou R$400 por uma passagem aérea se perdesse no caminho do balcão ao portão de embarque. Ou desistisse de viajar. Ou morresse no caminho. E eu lá, socando o balcão de mármore, torcendo para que alguém morresse, invocando um franco-atirador, um chão escorregadio, uma aorta entupida, um mal súbito. Para meu pesar, todos os 117 embarcara, inclusive meu irmão de fila, ele que até me desejou uma boa sorte sorridente enquanto se afastava.

Voltei com o rabo entre as pernas para o balcão da Gol, lã! do outro lado do aeroporto.

Oi, eu me atrasei. Não, reembolso não, quem falou em reembolso? Porto Alegre. Eu sei, só de manhã. Eu pago a multa. Sim, uma hora antes.
Como eu não fiz hoje.

Liguei para o meu irmão de útero, a cobrar, de um orelhão. Era ele quem iria me buscar. Só amanhã, Gordo. Anota o telefone do Solon, avisa ele. Diz pra guardarem carne e cerveja pra mim. Foi uma piada.

Olho para as divisórias de escritório que me servem de parede nesta cela e lembro da minha Mãe. Nada é Édipo: ela sempre foi paranóica com horários de vôos, exigindo que os Urbim - eu, o pai, ela e o Gordo - estivessem nos aeroportos sempre muito antes dos horários de saída. Paranóica nada. Paranóico vou ficar eu, nessa espelunca e sem despertador. Durmo e confio que vou acordar antes das oito para o vôo às nove ou viro a noite e durmo o que der no avião?

(Mas ainda são 1h42 _ó, 40min por folha de ofício escrita: cadê seu livro, Emiliano?)

Se eu fosse dormir agora, só ficaria inconsciente lá pelas 2h30. Estou completamente sem sono, os carros passam muitos e barulhentos no avenidão ao lado, está quente e o porteiro curte o seu Corujão. O porteiro filho-da-puta que quando eu pedi para me acordar me disse que o """hotel""" (muitas aspas) não tinha esse serviço. "PORRA!, bate na minha porta às 9h, só isso!" "A essa hora eu estou dormindo."

Enfim, se eu dormisse, meu sistema de auto-sabotagem me faria acordar às 8h15, eu ia correr feito um louco demente desvairado mongol desatinado - é como eu corro sempre - para chegar no balcão da Gol pela terceira vez em 12h e ouvir: "Lista de Esp..." Não posso continuar.

Continua

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