No último capítulo, nosso herói estava em um quarto minúsculo de um hotel furreco do lado do aeroporto de Congonhas, São Paulo, puto da cara porque havia perdido o vôo para sua amada Porto Alegre. Bah, que brega esse amada, mas, ah, é verdade. Depois de muito tentar não dormir, nosso herói decidiu escrever no verso de um exercício de português que lhe fazia companhia - o vôo era só de manhã. Segue a transcrição.XXX
26 de outubro de 2002
O lance é virar a noite. Acabando-se essas páginas de exercío de português da professora Thaís - faltam essa e mais duas (120min?) -, farei o possível com a Vip e depois dê-lhe que dê-lhe o livro que eu trouxe na mochila.
Veja bem, A Informação, de Martin Amis, o livro que eu trouxe na mochila achando que não ia ler uma linha sequer. Essa hora era para eu já estar alegre, primeiro estágio na Via Crucis da embriaguez. Era para eu já ter comido muito, me jogado na piscina, estar cantando toda e qualquer merda em coro-de-mesa.
E não, definitivamente não estar sentindo o chulé de minhas meias sujas, que, segundo eu me lembro de Pitágoras,
(parede 1= 3m
parede 2= 1,5m
3² + 1,5² = x2
x² = 9 + 2,25
x² = 11,25
x = raiz de 11,25
Meu celular tem calculadora! Mas não tem raiz., vou multiplicando até
achar: 3.5 x 3.5, 3.4 x 3.4, 3.3 x 3.3... aí deu menos. [depois de
inúmeras tentativas _nota do E.U.] x= 3,354)
Como eu dizia, minhas meias sujas podem ficar no máximo a 3,35m do meu nariz. "Welcome to the Hotel California..." Quem dera o hotel se chamasse California. Ou Califórnia com acento. É um acinte: Nobrega. Deve ser Nóbrega, como o homem d'"APraça é Nossa", mas está escrito Nobrega no toldo ali fora. E aí a gente brinca e se diverte:
1) É "No Brega", em português, como na frase "Eu esou no brega." O estabelecimento se assume brega e ainda divulga sua postura. "Eu sou brega, mas sou feliz, muito mais brega é o meu país", já cantava
Sidney Magal em um Programa Legal. Quando terá sido? 1992, 1993? É do tempo em que Regina Casé podia ter um programa com legal no nome sem soar falso. Antes de ela ser fiscal do Fantástico, antes de Eu, Tu, Eles, antes do Muvuca, antes de tudo. Ah, criança, você não lembra.
2) É "No Brega", em inglês. É um lugar muito chique, muito fino. "De cinema", como diz meu amigo cearense. Digo, Maranhense. Digo, brasiliense. Vocês precisam conhecer o Ricardo.
Infelizmente ele não está aqui agora para enriquecer o debate sobre se Nobrega é brega ou não, mas por outro lado, NINGUÉM ESTÁ AQUI AGORA! ESTÁ O MUNDO INTEIRO EM UMA CASA NA ZONA SUL DE PORTO ALEGRE COMENDO CARNE, TOMANDO CERVEJA, FUMANDO MACONHA, TOCANDO O VIOLÃO, XINGANDO CACHORRO E ME XINGANDO, PORQUE O CHURRASCO ERA PRA MIM, EM MINHA HOMENAGEM, E EU NÃO FUI! E O QUE ME RESTA É ESCREVER E LER E VER TV PARA NÃO DORMIR, OU EU POSSO PERDER OUTRO VÔO E NUNCA IR PARA PORTO ALEGRE. AÍ CARA, EU ENLOUQUEÇO EU ME JOGO NO MEIO DESSA AVENIDA AÍ DO LADO E MORROU OU FICO ENTREVADO, PRA SEMPRE DE PORTEIRO DO NOBREGA, UMA SINA. Mas como eu vim parar aqui?
Depois que não rolou o vôo da Varig eu tava tão, mas tão de bola murcha que a minha vontade era voltar para o hotel em que estou ficando aqui em São Paulo e não sair mais do quarto até quarta, quando voltam as aulas do curso.
Mas aí saindo do balcão da Gol resolvi perguntar pra mocinha morena que tão gentil me atendeu se Congonhas tem hotel. Ela me disse que não, mas que se eu atravessasse uma passarela ia dar no outro lado do avenidão, lá tinha um hotel. Coisa de R$ 50 a diária, me garantiu. Cinqüenta reais é muito mais barato do que a soma das tarifas dos dois táxis que eu pegaria na volta de noite e na ida de manhã.
Atravessando a passarela, achei o holte que ela me indicara, só que a R$ 75 a diária. Na placa dizia R$ 65 para fim de semana. Esticando o pescoço vi um toldinho branco e singelo escrito "hotel" - só fui reparar no "Nobrega" na volta da janta - e resolvi me aventurar. Era o santo Graal: diária a R$ 20! "De cinema!"
(última página, e a minha mão não doía tanto desde que eu fiz a prova para entrar nesse curso que eu estou fazendo. Minto! Minhão mão não doía tanto desde quando eu e o Rodrigo inventamos de cavoucar buracos na praia até chegar na água _os dois com 21 anos. Minto! A vez que minha mão esquerda mais doeu foi quando eu quebrei o polegar e o indicador jogando vôlei - até virei destro por necessidade. Menta! Adoro bala de menta.)
Onde tu tava? Ah, tá, entrei no hotel. Três tios assistiam ao início do debate. (Foi uma bosta, né?, pensando bem; só me emocionei quando falou uma mulher de Viamão.) Um dos tios se levantou pra me atender, fazendo cara de - muita! - dor nas costas.
É vinte mesmo a diária? Sim, sim. Aqui é o quarto. Bem simples, a TV às vezes pega. Banheiro no corredor. Pagamento adiantado.
Entrei no quarto, joguei a mala e a mochila na cama de baixo do beliche, aí liguei a TV, e pus a mala e a mochila na cama de cima. Fiquei de cueca, peguei a Vip que eu comprei no impulso depois que tudo já tinha dado errado, me deitei e fiquei pensando em quanto eu sou idiota quando me deixo ser.
E é bem isso. O meu natural é ser idiota. Se eu aprendo alguma coisa é com muita determinação, minha ou de outrem, visto que meu básico instinto é dar de trouxa. Não duraria um dia na tribo. Os pajés contariam histórias sobre o idiota que nadou na pororoca, o idiota que foi ver a cárie da onça, o idiota que atirou uma flecha no Sol e morreu quando ela caiu. Pensei nisso e depois pensei que este era o menor quarto em que eu já havia estado, e que esse era um bom começo para um texto.
[a parte 1 do "Diário de um mongo" começa com a frase
"É o menor quarto em que já estive." - nota do E.U.]
Quando acabou o debate apaguei a TV com o dedão do pé - alguma vantagem o micro-quarto deveria ter -, pus bermuda e camiseta sujas, chinelos (eram para o churrasco na beira da piscina...) e saí para jantar. Deixei a chave do quarto nº1 em cima do balcão (quando voltei ela continuava no mesmo lugar).
Era meia-noite e meia, tudo fechado três quadras pra baixo e duas pra cima. Tinham me sobrado R$ 4 - eram R$ 90 quando daí.
Igual, precisava jantar. Por último comprei a bebida, uma mineral sem gás de um posto de gasolina - parei de beber refri semana passada. E primeiro comprei, no pé da passarela que leva pro aeroporto, um churrasquinho de espeto. E pensei em Porto Alegre. E voltei pro quarto, comecei a escrever e parei agora.
Emiliano, 26.out.02, 3h24
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