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    MARIANA DIEHL BANDARRA
mariana.bandarra@terra.com.br

O tempo parafuso

Sexta, 22 de novembro de 2002, 08h18



Vinte para as onze, Otávio andava apressado. Troteava com sua valise em uma reta indefinida para qualquer ponto onde o tempo cooperasse, onde as coisas pudessem retornar ao que eram, ou antes ao que poderiam ter sido. Passou feito bala reluzente pela porta espelhada que mal teve tempo de se abrir. No grande relógio em seu pulso, dez e cinqüenta.

Enquanto parado, na fila do check in, suas mãos suavam. Para a multidão, um homem qualquer, num destes vôos de emergência, com sua valise cheia de documentos importantes. Às dez e cinqüenta quatro entrou no amado corredor, suas luzes fluorescentes desnudando toda pele que ali se aventurasse.

Ah o aeroporto com o brilho e o pavor de seus detetores de metal e policiais federais! Otávio não temia, sua mala era impecável. Era outro o crime pelo qual cumpria pena, um que os policiais não suspeitam. Ao pisar no corredor suas mãos se molhavam, o coração disparava, as pupilas subiam contra as lentes, excitadas. O frisson de buscar a sombra no fim do túnel de luz.

O patacão marcava dez e cinqüenta e oito quando ele largou a valise ao lado da poltrona, de onde uma dócil e elegante águia plastificada a juntou, assentando-a carinhosamente no compartimento superior. Otávio, ainda acomodando-se na cadeira, pediu-lhe sem levantar o rosto uma dose de gin-sem-gelo e duas rodelas de limão.

Só então olhou para o lado. Na janela, uma velhinha de maquiagem espessa e fino chapéu roxo lia o Reader's Digest. A doce moça aérea entregou-lhe o copo, e Otávio estava cansado, corria contra o relógio, mas conseguira. Paris estava para trás. Seu pulso tremia, e dali a quatro horas ele desembarcava noutro lugar. No fim do corredor iluminado, sombria era a massa de pessoas, encarceradas na ventilação asséptica, amontoadas em bancos. Todos com seu destino certo nos olhos e no coração.

Otávio atravessou a multidão como num videogame, todos os movimentos milimetricamente tolhidos. Ao cruzar a porta de vidro, o calor era de fevereiro, todos os taxistas e camelôs, os turistas e trombadinhas em polvorosa. Um nicho ecológico de espécies vivendo em caótica e ensurdecedora harmonia. Otávio correu para dentro do táxi mais próximo, ignorando as investidas de carregadores e transeuntes. "Ipanema", ele sorriu para si mesmo, dizendo ao motorista. E ao arrancarem, Otávio ainda pode ver a velhinha, que corria atrás do último táxi, fazendo figa com a mão esquerda.

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