A William Lee, o velho junkieA bunda sentada em seu colchão, os dentes mordem lábios finos e olhos encaram fixos a colher. O despertador sobre a escrivaninha, dos antigos, imprime um hipnótico compasso. Os olhos estão estalados, despertos. Com as pontas, dedos muito finos e longos entram no bolso da calça azul encardida. De lá, saem carregando um pequeno volume embrulhado em um retalho de plástico branco. A mão trêmula aproxima a colher onde dedos despejam o branco volume.
A garganta se contrai, numa peristalsia inversa. Nos tímpanos, tic-tac. A pele sua e o nariz, seco do ar gelado, respira fraco e arrítmico. Contra o feixe branco da luz de uma fresta, as retinas sorriem. Os dedos em bando levam à parede, abaixo da janela, o conta gotas. E capturam a água da chuva que escorre. Soltam sobre a colher gotas contadas cinco seis. A cabeça de um fósforo mexe a solução. Lânguido o exército de dedos abre decidido a gaveta tirando uma seringa vermelha. Do velho cobertor, uma bola de lã para mergulhar na colher e pronto.
A agulha no bolo de lã, o polegar puxa o êmbolo, peito estufado de angústia. O líquido turvo sobe, olha para o braço nu, pondera. Azul, uma das avenidas se oferece. O bater do relógio divide os frames dos olhos. A mão aponta, a pele muito branca se abre com um pingo rubro. O metal vai se instalando. O coração trepida uma cavalaria ligeira. O êmbolo vai descendo, e sob a pele eleva-se o líquido imediato. As pupilas sobem, querem ver atrás. O braço cai, a seringa na mão rola pela tábua em desnível. No eixo do corpo ali jazido, um êxtase convulsivo estende a carne. O cérebro, quieto adormece. O coração desacelera, a cabeça cai. E sob a goteira, perde-se.
É noite de natal. E os sonhos que um homem sonha são seu único presente.
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