"Depois de velho, virou sonâmbulo", comentou a dona
Mira, a cara de desdém, ao revelar a uma amiga o novo problema
do marido.
Sempre à mesma hora da noite, o dr. Dedé acordava e saía
pela casa, cantarolando uma música totalmente estranha aos
costumes da família.
"Sonambulismo não mata. É só trancar bem as janelas pra
evitar que a nulidade caia lá embaixo e pronto!", continuou a dona
Mira. "Além do mais, tenho coisas mais nobres a me exigir
neurônios, e não vai ser agora, depois de velha, que vou perder o
sono com outra das maluquices do Dedé".
Mas sempre vai haver um dia que, por um simples detalhe,
acabará sendo diferente do outro. Naquela noite, a dona Mira
estava muito nervosa, o gato do vizinho tinha matado sua caturrita
de estimação, que cantava "Segura o tchan, amarra o tchan!", e
ela perdera o sono.
Na mesma hora de sempre, o dr. Dedé levantou da cama,
os braços esticados para a frente, olhos semi-aberto, e saiu pela
casa, cantarolando a tal música:
"Tchutchucaaa! Vem aqui com seu tigrão! Vou te jogar
na cama! E te dar muita pressão!"
Deu algumas voltas na sala, na cozinha, passou em frente
ao quarto, como para reconhecer o terreno, voltou à sala, abriu a
porta e saiu. Tão logo botou o pé pra fora, baixou os braços, abriu
os olhos e parou de cantar. Desceu as escadas correndo e entrou
no apartamento da Gelcy, que já o esperava de braços abertos e
pronta para o amor.
A dona Mira, que vinha ao encalço do marido, meteu a
orelha na porta, à guisa de curiosidade, e ouviu coisas que há
décadas não ouvia mais. Tchutchuca pra cá, tigrão pra lá, e ela
não se conteve. Deus dois passos para trás, pedalou a porta e
invadiu, sem cerimônia, o domicílio da impostora. Gravateou o dr.
Dedé e puxou-o para fora.
Antes de subir a escada com o marido de arrasto e um
palmo de língua pendurada num canto da boca, ela olhou para
trás, para a Gelcy parada na porta, e disse, cheia de razão:
"Tá dominado! Tá tudo dominado!"
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