Por que os inuítes continuam construindo iglus (e como eles o fazem)
Mudança climática que acelerou o derretimento do gelo na Groenlândia não mudou hábitos da população indígena da região, que continua construindo iglus para passar a noite fora de casa.
Julius Nielsen, de 40 anos, é um dos 57 mil habitantes da Groenlândia, uma das regiões menos povoadas do mundo.
Ele é um inuíte (população indígena no Alasca, no Canadá e na Groenlândia) e fala o idioma tunumiit.
Você pode não conhecer o termo inuíte, mas provavelmente já ouviu falar dos esquimós. A palavra, usada para se referir aos povos nativos das regiões árticas, é considerada pejorativa por muitos deles, para quem o termo tem cunho racista. No Canadá e na Groenlândia, eles preferem ser chamados de inuítes.
E há outra coisa que você precisa saber: os inuítes também já não vivem em iglus. Mas as casinhas feitas de gelo ainda existem e são utilizadas em noites de caça.
Julius, que é um caçador, explica: "No deserto (de neve e gelo), o clima costuma mudar muito rapidamente. Sempre estamos pensando na sobrevivência. Por isso construímos os iglus".
"Eles podem ser a diferença entre a vida e a morte."
O aquecimento global é mais intenso no Ártico que em qualquer outro lugar do planeta.
A camada de gelo da Groenlândia está derretendo a uma velocidade de 270 bilhões de toneladas por ano.
"É muito difícil construir um iglu hoje em dia", diz Julius. "A neve no inverno mudou muito recentemente. Cada ano é diferente."
Uma pá e uma faca de lâmina longa são as únicas ferramentas utilizadas por ele - além, é claro, da sabedoria ancestral sobre a técnica para construir seus lares gelados.
A neve precisa estar compacta para que seja possível cortá-la em blocos e para que se mantenha no lugar conforme eles vão sendo empilhados.
"Temos muitos nomes para os diferentes tipos de neve", diz. "Para construir um iglu, é preciso ter neve dura."
"A melhor neve se chama pugaq, que é aquela criada quando ventos fortes sopram sobre a camada de gelo, tornando-a firme."
"Com as condições adequadas, posso construir um iglu em uma hora", diz.
Para a base, são necessários blocos maiores. As paredes são erguidas com blocos mais leves e menores, colocados uns sobre os outros.
Os da parte de cima são moldados de maneira que se inclinem para dentro, criando uma cúpula.
O bloco final é cortado para se ajustar perfeitamente à cavidade do teto.
A neve que vai caindo sobre o iglu terminado congela sobre os blocos e cria uma capa de gelo bastante resistente. É isso que faz com que ele aguente a água e o vento.
A temperatura dentro do iglu pode chegar a 16°C.
"Consigo ferver água para cozinhar o que pesquei", conta Julio.
"O calor pode derreter a parte interior do iglu, mas ele logo volta a congelar, e essa outra camada de gelo torna a estrutura ainda mais forte."
O mundo que rodeia o iglu também está derretendo. A diferença, porém, é que esse processo não torna a estrutura — neste caso, a camada de gelo da Groenlândia — mais forte.
Essa poderia ser uma história de habilidades que estão em risco de extinção, mas inuítes como Julius Nielsen estão se esforçando para que isso não aconteça.
"O clima está mudando muito rápido e nos obrigando a mudar com ele", diz.
"Mas continuamos agindo para manter vivas as nossas tradições."
Este texto foi adaptado de um video do BBC Ideas.