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Por que prostitutas na Alemanha são contra lei que deveria protegê-las

19 out 2021 - 13h50
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Cinco anos após governo alemão introduzir regra visando melhorar condições de trabalho e restringir tráfico humano, profissionais dizem que norma é discriminatória, estigmatizante e aumenta riscos."Não é à toa que dizem ser a profissão mais antiga do mundo", diz sorrindo Olivia, que há quase uma década trabalha como prostituta em Berlim. "As pessoas sempre encontrarão uma maneira de fazer trabalho sexual", diz, respondendo a uma pergunta sobre a regulamentação do setor.

"Trabalho sexual é trabalho real": durante lockdown, prostitutas sem registro não ganharam ajuda financeira na Alemanha
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Foto: DW / Deutsche Welle

Sua carreira não foi algo planejado. Ela se mudou de uma pequena cidade no leste do país para a capital alemã em busca de uma vida mais emocionante e começou a trabalhar com sexo depois da recomendação de uma amiga. Agora, chegando aos 30 anos, ela já fez quase todo tipo de trabalho sexual possível na Alemanha: como acompanhante de luxo, massagista erótica, em um bordel e como autônoma em casa.

"Existem níveis diferentes", explica, acrescentando que as modalidades têm grande diferenças quanto a rendimento e medidas de segurança. Por meio de seu trabalho, ela encontrou uma comunidade, também com o Black Sex Workers' Collective, uma iniciativa para pessoas de cor fundada nos Estados Unidos. Ela também é membro de um sindicato de profissionais do sexo.

Mas ela é uma das centenas de milhares de trabalhadoras do sexo não registradas na Alemanha que, nos últimos cinco anos, correram o risco de serem processadas.

Mais de 90% não seriam registradas

Quando ela começou, os direitos das trabalhadoras do sexo na Alemanha eram relativamente bem protegidos. A Lei da Prostituição de 2002 regulamentou formalmente o trabalho sexual e teve como objetivo proteger o acesso das profissionais do sexo a benefícios como assistência médica e seguro-desemprego.

Mas alguns legisladores estavam preocupados com o fato de a lei ser flexível demais. "Existem regras mais rígidas para se abrir uma lanchonete do que um bordel neste país", disse a então ministra da Família, Manuela Schwesig, do Partido Social-Democrata (SPD), em entrevista ao semanário Die Zeit em 2014. Um ano depois, sua coalizão de governo apresentou o projeto de lei exigindo que todas as trabalhadoras do sexo solicitassem um registro. A lei foi promulgada em 21 de outubro de 2016 e entrou em vigor em 1º de julho de 2017.

Para as profissionais do sexo, isso significa ter que entregar dados privados, como endereço, detalhes de contato e nome verdadeiro e fazer consultas regulares de saúde obrigatórias. As pessoas que não se cadastram - algumas por questões de privacidade e outras porque não têm um endereço ou status de residência legal na Alemanha - estão infringindo a lei.

A lei também exige o uso de preservativos durante o trabalho sexual e exige que qualquer pessoa que administre uma empresa de trabalho sexual, como um bordel, tenha uma licença.

As últimas estatísticas oficiais de 2019 mostram que havia cerca de 40 mil profissionais do sexo na Alemanha legalmente registradas sob a Lei de Proteção à Prostituição, mas estimativas não oficiais dizem que o número real é de mais de 400 mil. Isso significa que mais de 90% das profissionais do sexo na Alemanha não têm registro - e são, tecnicamente, ilegais.

A grande maioria das trabalhadoras do sexo legalmente registradas trabalha em bordéis, o que sugere também que a maioria das que não são registradas trabalha em casa ou nas ruas.

Preocupações com a privacidade

O objetivo da lei era melhorar as condições das profissionais do sexo e reduzir a possibilidade de tráfico humano, exploração e escravidão. Mas as prostitutas dizem que isso realmente tornou sua posição mais vulnerável.

"As pessoas que não têm ideia sobre o trabalho sexual dizem: 'É só um passe, não é tão ruim.' Mas o trabalho sexual ainda é um trabalho muito estigmatizado na Alemanha. E, por isso, muitas pessoas receiam em revelar suas identidades ou ter seus dados registrados em algum lugar", explica Ruby Rebelde, porta-voz da organização Hydra. O serviço de apoio e aconselhamento para trabalhadoras do sexo sediado em Berlim foi fundado há mais de 40 anos e se opõe à lei desde que ela foi promulgada.

Muitas trabalhadoras do sexo na Alemanha vêm de outros países, e os obstáculos burocráticos do processo de registro podem impedi-las de realizá-lo. Romênia e Bulgária, membros da UE, são os dois países de origem mais comuns entre as trabalhadoras do sexo não alemãs registradas. Ruby Rebelde, entretanto, acredita que as trabalhadoras do sexo estrangeiras são menos dispostas a se registrar do que as alemãs.

"Assim, as pessoas que vêm para a Alemanha para trabalhar como profissionais do sexo são 'tornadas ilegais' sob a lei de proteção à prostituição", diz Rebelde. As trabalhadoras do sexo não registradas não puderam receber ajuda do governo quando não podiam trabalhar durante os lockdowns da pandemia de coronavírus. O número de trabalhadoras do sexo registradas também diminuiu significativamente durante esse período.

"Trabalhar junto é mais seguro"

Segundo a lei, as profissionais do sexo não podem viver e trabalhar junto, como dupla ou em um grupo maior - solução comum, que oferece segurança às profissionais do sexo se os clientes se mostrarem violentos -, porque tecnicamente um apartamento ou casa compartilhada constituiria um bordel.

"Se eu só puder trabalhar sozinha em casa, em teoria, isso me coloca em mais perigo", diz Olivia. Ela afirma que passou por mais tentativas de chantagem e abuso depois a lei entrou em vigência do que antes, ao trabalhar sozinha em seu apartamento.

"Trabalhar junto é muito mais seguro porque você pode ficar de olho uma na outra e compartilhar experiências", explica Ruby Rebelde.

Mas os defensores da lei dizem que ela tornou o trabalho sexual menos opaco e, de fato, aumentou a segurança. "Com o registro de acordo com a Lei de Proteção à Prostituição, o Estado tem a oportunidade de lançar luz sobre os direitos das pessoas no campo do trabalho sexual", diz Ann-Kathrin Biewener, porta-voz da administração de Berlim para trabalho sexual e representante distrital eleita pelo SPD. Ela é responsável por supervisionar o processo de registro de toda a cidade de Berlim. "Com o registro, o trabalho sexual não acontece em segredo e, portanto, ele ajuda a melhorar as condições de trabalho das profissionais do sexo", acrescenta.

Modelo nórdico?

Durante a pandemia, quando o trabalho sexual foi proibido pelas regras de distanciamento social, legisladores do SPD e da União Democrata Cristã (CDU) - partido de centro-direita da chanceler Angela Merkel - aproveitaram a oportunidade para pedir um fechamento ainda mais longo dos bordéis e uma revisão da indústria do trabalho sexual.

A solução defendida por eles e muitos outros é o chamado "modelo nórdico", segundo o qual é ilegal pagar por sexo, mas não vender sexo.

Mas Olivia acredita que tal medida não funcione na Alemanha e colocaria o trabalho sexual ainda mais na clandestinidade. "Não iria impedir nada. Os preços ficariam mais altos; haveria mais criminalidade e violência, chantagem, mais tráfico de pessoas", diz. "Não consigo ver um lado positivo."

Uma avaliação federal da lei está planejada para ser concluída até 2025; um relatório interino cobre apenas os anos de 2017 e 2018. Até o momento, não há evidências suficientes para mostrar se alguma das metas da lei, como por exemplo, redução do tráfico de pessoas, foi alcançada.

Mas vários estados alemães já publicaram suas próprias avaliações. A avaliação da cidade-estado de Bremen, de dezembro de 2020, descreve o decréscimo dos processos de registro em Bremen, mas também observa: "Profissionais do sexo e políticos profissionais criticam que a lei não atende aos requisitos de melhor proteção contra o tráfico e melhoria na situação das prostitutas. Temem a estigmatização e a discriminação em função da obrigação de se cadastrar frente a autoridades e ao Estado. Dizem que as prostitutas, em particular, ficam desprotegidas porque a lei não está voltada para suas necessidades."

Legisladores como Ann-Kathrin Biewener, em Berlim, trabalharam para coletar opiniões em uma série de eventos de "mesa redonda" para profissionais do sexo ao longo dos anos. Ruby Rebelde, de Hydra, acredita ser vital as vozes das trabalhadoras do sexo sejam levadas em consideração durante a próxima avaliação federal. "Falar sobre trabalhadoras do sexo sem falar com trabalhadoras do sexo - isso não está certo", ressalta.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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